Na década de 1970 surgiu a ”Geração Mimeógrafo”, poetas que, sem poder publicar pelas grandes editoras, o faziam em edições artesanais, usando o mimeógrafo. Mimeógrafo, para quem não conhece, é uma antiga máquina de duplicação de textos onde de uma única matriz datilografada é possível tirar inúmeras cópias. Numa máquina de escrever (sem a fita) coloca-se um estêncil (uma película plástica com um suporte de papel grosso) sobre o qual se datilografa o texto. A cada batida, a tecla perfura parcialmente a película, sem rompê-la de todo, deixando ali o sulco correspondente ao formato de cada letra. Essa matriz roda depois no mimeógrafo propriamente dito, entrando em contato, alternadamente, com um rolo de tinta e com páginas em branco. A tinta passa através dos sulcos deixados pela tecla da máquina, e o texto sai impresso na folha em branco.
A poesia-mimeógrafo fêz a independência de uma geração inteira que se sentia marginalizada pelas editoras. Era possível fazer sozinho um livro no quarto dos fundos. Os livros eram rústicos, lombada grampeada, com borrões de tinta e erros de datilografia, mas provavam que era possível fazer livros sem se recorrer a uma editora. Os cordelistas nordestinos já tinham inventado algo equivalente na década de 1890. Esta é a vantagem das grandes invenções, como a roda, o alfabeto ou a bússola. Toda semana alguém as inventa de novo. Não vão acabar nunca.
Hoje, a tecnologia digital fêz com a música o que o mimeógrafo fêz com a poesia. É possível fazer sozinho um disco no quarto-dos-fundos. Basta um computador, alguns softwares, um microfone, um queimador de Cds... Alguém pode objetar: “Mas nem todo mundo tem dinheiro para comprar isso tudo.” Concordo. Eu mesmo não tenho. Mas é só fazer o que se fazia no tempo do mimeógrafo: recorrer a quem tem. Sempre havia um mimeógrafo na casa do pai da namorada de um amigo do meu vizinho, ou coisa parecida.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Não se pode ganhar dinheiro assim!” E quem falou em ganhar dinheiro? Quem quer ganhar dinheiro vai ser industrial, ou bota uma lanchonete na Rio-Bahia e cobra 5 reais num misto quente. Quem faz música mimeografada quer experimentar sons e ritmos, descobrir coisas novas, reciclar coisas antigas. CD doméstico não é para fazer música domesticada. É para quebrar a ditadura de mão-única das rádios e TVs, que falam e não escutam. Para fazer canções que incomodam porque são muito longas ou muito curtas, porque são excessivamente regionais ou excessivamente estrangeiradas. Quem faz esses CDs sabe que, bem ou mal, o que está registrado ali é uma visão talvez imatura, incompleta, sem domínio da técnica, às vezes com excesso de entusiasmo e falta de autocrítica. Mas é sua visão pessoal da música, uma visão que não seria mais a mesma depois de passar pelo rolo compressor das gravadoras. Uma nova indústria e um novo mercado estão se criando de baixo para cima; e vamos ver quem é mais forte.
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