O jornal “O Globo” lançou uma coleção de clássicos da literatura em bancas de jornais, e o primeiro livro é Lolita de Vladimir Nabokov. Li esse livro aos 19 anos, época em que, por alguma razão misteriosa, eu tinha uma queda por garotinhas de quinze. Esperávamos (refiro-me à minha turma no Estadual da Prata) um romance erótico como Sexus de Henry Miller, mas depois de algumas dezenas de páginas só encontramos um texto cheio de girândolas verbais. Lolita não é sobre a nudez do corpo feminino, e sim sobre a nudez da mente masculina. É uma história de Nelson Rodrigues contada com o virtuosismo verbal de Joyce e o distanciamento emocional de Donald Barthelme.
Lolita é a paixão de um europeu quarentão por uma meninota norte-americana, e a crítica viu nisto uma metáfora do deslumbramento e da perplexidade da cultura européia, velha e decadente, diante da cultura norte-americana, jovem, ousada, e em última análise indecifrável. É engraçado que uma leitura oposta era feita do romance Giovanni de James Baldwin, também muito popular nessa época, onde um rapaz norte-americano deixa-se arrastar numa paixão homossexual por um rapaz europeu. Outra parte da crítica viu nisto uma metáfora do deslumbramento e da perplexidade da cultura norte-americana, rasa e provinciana, diante da cultura européia, secular, profunda e em última análise indecifrável. O que mostra, pelo menos a mim, o risco de generalizar o significado das histórias individuais.
Nabokov é impiedoso com seus personagens, embora Lolita não seja um livro tão cruel quanto Gargalhada na escuridão, onde um sujeito respeitável deixa-se apaixonar por uma perua bem desclassificada, fica cego num acidente, e passa o resto do livro às apalpadelas pela casa, sendo traído pela amante a torto e a direito. Depois que fechamos um livro de Nabokov, somos tomados de descrença na humanidade. Não é autor para espíritos vacilantes ou depressivos.
Lolita foi filmado por Stanley Kubrick; o elenco tem Peter Sellers e James Mason. Mason tem inúmeras cenas memoráveis, como aquela em que faz sexo com a mãe de Lolita olhando o retrato da filha na mesa de cabeceira, e outra em que (de roupão, se bem me lembro) pinta as unhas dos pés da ninfeta. Mentes diabólicas como as de Kubrick, Mason, Sellers e o próprio Nabokov (que roteirizou o filme) devem ter se divertido muito.
Lolita tem uma tradução muito elogiada de Jório Dauster, que já ajudou a renegociar a dívida externa brasileira, e deve gostar de descascar abacaxis. Fêz escândalo quando foi lançado; hoje é apenas um precursor da cultura de massas que celebra, como nunca se celebrou, a sexualidade magra, pré-púbere, angulosa e felina das modelos, a quem Manuel Bandeira implorava premonitoriamente: “Teu corpo dúbio, irresoluto de intersexual disputadíssima, teu corpo, magro não, enxuto, lavado, esfregado, batido, destilado, asséptico, insípido e perfeitamente inodoro é o flagelo de minha vida, ó esquizóide! ó leptossômica!”
Lolita é a paixão de um europeu quarentão por uma meninota norte-americana, e a crítica viu nisto uma metáfora do deslumbramento e da perplexidade da cultura européia, velha e decadente, diante da cultura norte-americana, jovem, ousada, e em última análise indecifrável. É engraçado que uma leitura oposta era feita do romance Giovanni de James Baldwin, também muito popular nessa época, onde um rapaz norte-americano deixa-se arrastar numa paixão homossexual por um rapaz europeu. Outra parte da crítica viu nisto uma metáfora do deslumbramento e da perplexidade da cultura norte-americana, rasa e provinciana, diante da cultura européia, secular, profunda e em última análise indecifrável. O que mostra, pelo menos a mim, o risco de generalizar o significado das histórias individuais.
Nabokov é impiedoso com seus personagens, embora Lolita não seja um livro tão cruel quanto Gargalhada na escuridão, onde um sujeito respeitável deixa-se apaixonar por uma perua bem desclassificada, fica cego num acidente, e passa o resto do livro às apalpadelas pela casa, sendo traído pela amante a torto e a direito. Depois que fechamos um livro de Nabokov, somos tomados de descrença na humanidade. Não é autor para espíritos vacilantes ou depressivos.
Lolita foi filmado por Stanley Kubrick; o elenco tem Peter Sellers e James Mason. Mason tem inúmeras cenas memoráveis, como aquela em que faz sexo com a mãe de Lolita olhando o retrato da filha na mesa de cabeceira, e outra em que (de roupão, se bem me lembro) pinta as unhas dos pés da ninfeta. Mentes diabólicas como as de Kubrick, Mason, Sellers e o próprio Nabokov (que roteirizou o filme) devem ter se divertido muito.
Lolita tem uma tradução muito elogiada de Jório Dauster, que já ajudou a renegociar a dívida externa brasileira, e deve gostar de descascar abacaxis. Fêz escândalo quando foi lançado; hoje é apenas um precursor da cultura de massas que celebra, como nunca se celebrou, a sexualidade magra, pré-púbere, angulosa e felina das modelos, a quem Manuel Bandeira implorava premonitoriamente: “Teu corpo dúbio, irresoluto de intersexual disputadíssima, teu corpo, magro não, enxuto, lavado, esfregado, batido, destilado, asséptico, insípido e perfeitamente inodoro é o flagelo de minha vida, ó esquizóide! ó leptossômica!”
2 comentários:
É tamabém do Jório Dauster a magnífica e dificílima tradução de 'Fogo pálido'que, junto com A verdadeira vida de S.N. considero as duas grandes obras de nabokov.
Me disseram recentemente que há uma autobiografia dele, vc sabe o título?
Deve ser tudo um monte de mentiras delicciosas...
A autobiografia dele é "Speak, memory" (1967), que já foi traduzida aqui como "Fala, memória" e depois como "A pessoa em questão - uma autobiografia revisitada", Cia. das Letras, tradução de Sérgio Flaksman.
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