domingo, 21 de setembro de 2014

3610) Crônicas de Bradbury (21.9.2014)





(ilustração: Marte, de Michael Whelan)


De vez em quando me perguntam os meus “dez melhores contos de FC”, por exemplo. Eu sou um pré-nerd. Gosto mais de fazer listas do que vocês todos, juntos e ranqueados. Algumas listas de melhores valem pelo que têm de insólito e quando é uma lista comentada e justificada.  E por que dez? Por nada, por “furor simétrico”, e aliás as listas da web e das capas de revistas já quebraram esse cartesianismo. E tome-lhe: As 21 Melhores Histórias de Império Submarino High-Tech Que Acaba Destruído Por Catástrofe Tectônica.  Onde houver muitas coisas, sempre haverá dez melhores. Ou 21.



Uma lista dos Dez Mais Óbvios Melhores da FC talvez incluísse quase por unanimidade “Um Som de Trovão” de Bradbury, “Os 9 bilhões de nomes de Deus” de Arthur C. Clarke, algo obrigatório de Harlan Ellison, P. K. Dick, Theodore Sturgeon, todos grandes contistas de obra extensa. Eu incluiria Fritz Leiber, Ballard, Wells, mas duvido que a maioria o faça. Não importa, e não adianta, o oceano dos livros é grande demais para qualquer leitor.



Tem também “A terceira expedição”, uma das Crônicas Marcianas de Bradbury.  Astronautas descem em Marte, encontram vilarejo do Oeste, e nele seus entes queridos, em suas casas originais. Estavam todos vivos, então, preservados em alguma ultradimensão?  Os pais, os avós, os brinquedos da casa, o quarto em que tinham morado até os dezoito anos. Tudo intacto. Todos vivos.



E então alguma coisa acontece. O cristal do final feliz e impossível se parte.  O véu do mundo se rasga e revela um lobo faminto. Bradbury, quando se torna macabro, consegue um efeito diferente do de Lovecraft, que é macabro por ideologia, é o que sempre se espera dele.  As crônicas de Bradbury são situações semi-fantásticas que ele propõe e depois desconstrói. “Encontro Noturno”, outra delas, não é um conto macabro, é de sense-of-wonder: mostra um terrestre e um marciano, no alto de uma colina, e cada um descreve para o outro o Marte que vê, e onde está.



Macabras ou maravilhosas, as projeções mentais dos marcianos de Bradbury prefiguram todos esses universos “simulacron” ou “matrix”, projeções na mente de alguém, que as experimentam como reais.


Bradbury foi chamado o Norman Rockwell da FC (ou Rockwell foi chamado o Bradbury da ilustração). Representam uma América jovial, interiorana, democrática, e com seus defeitos, seus demônios, como é a sina do ser humano. Era sentimental, mas não mais do que Dickens, e macabro, mas num grau menos grave que o de Poe. Na verdade, ele mistura o macabro, o romântico e o cômico. Seu universo é mais próximo ao de Tim Burton, Neil Gaiman ou Charles Adams do que aos universos de Clarke e Asimov.