domingo, 21 de março de 2010

1808) Natal 2008 (25.12.2008)



(A Máquina de Escrever as Horas, em http://bit.ly/9zDdxe)


...lá vem outro Natal, lá vem chegando,
trazendo em si verão, e sol caliente.
E nas ruas a azáfama da gente
superlota as calçadas da cidade.
Mais um ciclo venceu a humanidade,
outra volta no céu deu o planeta;
quem me dera uma Pedra de Roseta
pra poder decifrar esse mistério!
Mas a Voz do Destino, em som estéreo,
me desanda a falar em outro ritmo.

“Jamais entenderás o logaritmo
que leva o mundo a produzir seus fatos,
por complexos que são, por inexatos,
por sutis disfarçados de absurdos.
Se o Cosmos fosse um som, seríeis surdos;
se fosse só de Luz, cegos sem guia.”
Assim a Voz, pausada, proferia
os seus vagos, randômicos conselhos,
e eu cá, coçando em ócio os meus... cabelos,
matutava nos prós de dar-lhe ouvidos.

Pois, vede: se são cinco os meus sentidos,
e cinqüenta milhões meus sentimentos,
turbilhões de conceitos, pensamentos,
e as intrincadas variantes suas;
se meu corpo é um só e as mãos só duas,
que posso ambicionar de transcendência?
Tenho só o alfabeto da Ciência,
e as sílabas que armei até agora
esclarecem bem pouco do Lá Fora
deixando intacta a treva do Aqui Dentro...

Pois nenhum homem vislumbrou seu centro,
nenhum soube quem é, nem onde está.
Que voz, pergunto, me iluminará,
que resposta terei deste Universo,
a não ser a que eu mesmo esboço em verso?
Logo eu, imprudente escafandrista
que mais desce onde menos chega a vista,
e plunge vertical dentro de abismos
guiando-se com a lâmpada dos Ismos,
luz que transforma em si tudo que toca.

Minha voz não dá trégua, exige, invoca,
dialogando em vão com a Voz Alheia,
que mais que a minha é sonorosa e cheia
e em ser só voz só fala e não me escuta.
Como posso prevalecer na luta
com os circundantes ecos de mim mesmo?
Prossigo, a custo, à força, à balda, a esmo,
pelo bruto prazer do Ser-em-Si
que na cruz do Agora com o Aqui
arde, e produz um som que diz “Eu Sou”.

Quatro horas! A tarde já passou.
E o que fiz deste dia? Algumas linhas.
Poucas, vácuas, efêmeras... mas minhas.
São o que vim dizer, e estou dizendo.
E a esfera armilar, resplandecendo,
baila solta no espaço sideral.
Estrelas com prefixo sempre em “al”
e uma luz mais antiga do que a Terra
já brilhavam em vão quando na Serra
abri meus olhos, recolhi seus fótons.

E os cientistas aceleram prótons.
E o Mercado a comer trilhões de zeros.
E nos quintais do mundo os mesmos Neros,
queimando as Romas e tangendo as liras.
E o celofane a embrulhar mentiras,
e o Photoshop a igualar os rostos,
e o gosto-médio a nivelar os gostos,
neste imenso Brasil desperdiçado:
um refém do Partido e do Soldado,
vampiro às custas do seu próprio sangue.

São fogos de artifício ou bang-bang
este som que me vem daqui do morro?
E esses gritos, de gol ou de socorro?
Que sei eu deste Rio e seu futuro?
(E esta dor, que não passa, e que não curo?
E este amor, que me salva e não entendo?)
E o fim do ano volta, e vem trazendo
tudo quanto esquecemos que já trouxe.
Cumpriu-se a espiral, e adelgaçou-se
o tecido do Tempo. Mas é quando...

1807) Os cinco presentes de Cristo (24.12.2008)



(Cristo Amarelo, de Paul Gauguin)

De vez em quando, no Natal, eu dou uma geral nos presentes que ganhei na infância por ter sido criado numa família cristã. Cresci como os jovens da minha geração, impérvios à fé dos seus antepassados, inoculados de modernidade e de ciência, e com o misticismo (o pouco que lhe restou) pulverizado em direções diversas: Budismo, Taoísmo, etc. Mesmo assim, o Cristianismo me deu presentes que de vez em quando examino. Não direi que os uso, ou que os mereço. Mas se ganhei de presente, são meus também.

O primeiro que me vem à mente é a fraternidade, o amor fraterno para com pessoas desconhecidas. É o que menos pratico e mais admiro. Lembra-me a história do cara que vem numa estrada, embaixo do sol quente, encontra um mendigo doente que nunca viu mais magro, coloca-o nas costas e o traz para a cidade. Alguém pergunta: “Não é pesado?” e ele diz: “Não. É meu irmão”. Eu não sou capaz de carregar nas costas um mendigo que não conheço; mas não sou um caso perdido, porque se vir alguém procedendo assim não vou mangar. Eu sei o que está acontecendo ali – e tem gente que nem sequer sabe.

Segunda coisa: a simplicidade, os pés no chão. Cristo fez uma revolução humanista sem erguer uma espada, sem empunhar um lápis. Tudo que fez, fez com a simples presença, as palavras, as ações – isso que os roqueiros de hoje chamam de atitude. Era um homem que tinha a coragem de proceder de modo diferente. Foi torturado e morto, mas mudou o mundo – sem dinheiro, sem exércitos, sem mídia. E não foi o único: São Francisco e Gandhi fizeram o mesmo.

Outro presente com o qual não sei o que fazer é o perdão, a arte de esvaziar conflitos. Tenho a meu favor o fato de que nunca brigo, mas isto é mais uma estratégia de sobrevivência do que bondade inata. Não sei como eu procederia se tivesse Poder e alguém me pisasse os calos. Mas Cristo tornou possível a escolha pelo perdão; transformou o perdão numa alternativa real. Forçou cada um de nós a, pelo menos, hesitar antes da vingança. E o mundo não foi mais o mesmo.

Outro legado cristão é o Mistério – e aqui, amigos, estou num terreno meu. Quem foi o Cristo histórico? Por onde andou entre os doze anos, quando embasbacava o Templo, e os trinta, quando arrebatou a Judéia? Quem era ele de fato? O que de fato lhe ocorreu? Cristo não apenas nos ensina a beleza vertiginosa do mistério, como também nos reconcilia com o fato de que este é necessário, é insolúvel, e não há nem precisa haver respostas finais.

E finalmente vem o meu presente cristão mais precioso: o exemplo de falar por imagens vívidas, fortes, inesquecíveis. Não apenas as parábolas de Jesus, mas as comparações, os aforismos, as palavras de ordem. Cristo foi um repentista, dotado de língua mais rápida que a de Antonio Marinho e de imagens mais incisivas que as de Pinto do Monteiro. O Sermão da Montanha é uma cantoria solo, repleta de versos espantosamente belos. Este presente, pelo menos, não desperdicei de todo.

1806) A Rendição ao Concorrente (23.12.2008)



Suponhamos que numa rua há dois restaurantes vizinhos: uma churrascaria e um restaurante natural. O primeiro é adepto da picanha, da lingüiça, da costela. O outro exalta as virtudes do aipo, do gergelim, do queijo tofu. Um belo dia o gerente deste último, em dificuldades financeiras, resolve oferecer um bifezinho bovino, que começa a vender que é uma beleza. Quando o entrevistam na TV, ele dá sua receita de sucesso: “Meu sucesso prova que a comida natural caiu no gosto da população, basta ver a receptividade encontrada pelo nosso bife de panela”.

Acontece mais vezes do que se pode imaginar. Tenho visto, por exemplo, no cinema brasileiro. Os filmes brasileiros não dão público? Por que? Por causa da televisão? Muito bem: chamemos então as modelos-e-atrizes da televisão para trabalhar em nossos filmes. E tome “filmes cabeça”, sombrios, existenciais, “artísticos”, estrelados por aquelas menininhas feitas de porcelana e pétalas de rosa, que pronunciam seus diálogos com a indefinível expressão de quem fita uma “dália” pregada na parede oposta.

Quando a Jovem Guarda tomou conta do Brasil, as igrejas, alarmadas com a fuga em massa dos joves, decidiu concorrer com a Jovem Guarda de maneira salomônica: contratando conjuntos de Jovem Guarda para tocar na Missa! Não é muito diferente da história que se conta sobre o forrozeiro Dominguinhos. Ele recebeu o telefonema de um contratante: “Dominguinhos, queremos um show seu. Todo mundo só contrata aquelas bandas de forró eletrônico com dançarinas de minissaia. Nós queremos o forró pé-de-serra, autêntico”. Dominguinhos: “Que bom, fico agradecido. Farei o show com todo prazer”. E o cara: “Muito bem. Só um detalhe... Dá pra botar no teu show umas dançarinas?...”

Existe uma força no sucesso que nos puxa em sua direção. É uma espécie de fototropismo, o fenômeno que faz as plantas se expandirem na direção da luz do sol, cuja presença elas sentem mesmo de forma indireta. Quanto mais afundado no fracasso e no saldo negativo, mais o sujeito sente, intuitivamente, que o dinheiro e as capas de revistas estão situados a tantos graus de latitude e tantos de longitude; e começa a migrar, devagar e sempre, naquela direção. Vejam os festivais de literatura: estão cada vez mais cheios de palestras de cantores de MPB. Basta o músico publicar um diário de viagem ou um livro infantil, os convites chovem. Por que? Porque o pessoal “do livro” sabe que o sucesso está na música, e não nos livros que, em tese, eles estão se propondo a divulgar.

Parece que quando o concorrente é muito forte, o melhor é render-se a ele, grudar-se a ele. Como no famoso comercial de rádio da TAP: “Nós somos a TAP, Transportes Aéreos Portugueses, uma das melhores companhias aéreas da Europa, agora atuando no Brasil. Temos as melhores aeronaves, as melhores rotas, o melhor atendimento. Faça-nos uma visita! TAP, avenida Rio Branco, 315, bem ao lado da... Va-ri-g, Va-ri-g, Va-ri-g!...”

1805) Nem patrimônio nem matrimônio (21.12.2008)



(resultado da busca no Google por "toxic wife")

A crise financeira mundial não está apenas evaporando o patrimônio de muitos milionários mundo afora: está fazendo o mesmo com seus matrimônios. Fico compadecido ao ver esses altos executivos, gente que embolsa centenas de milhões de dólares por ano em salários e mordomias, sendo abandonados pelas esculturais esposas que exibiam nas festas. Uma matéria sardônica de Tara Winter Wilson, no The Telegraph, faz um raio-X impiedoso de alguns divórcios que têm pipocado às centenas nos altos escalões do empresariado.

Ela fala do caso de Sasha, cujo marido perdeu o emprego no centro financeiro de Londres e cancelou a compra de um chalé de 3,4 milhões de libras, cuja decoração ela já estava encomendando. O que fez Sasha? Separou-se do marido e o processou por “crueldade mental”. Outro casal, Jack e Katie, que vivem numa mansão de um milhão de libras, foi às vias de fato quanto ele lhe comunicou a necessidade de um corte nos gastos. Não apenas as 53 mil libras anuais pelo colégio dos dois filhos, mas a redução das despesas com salão de beleza, um corte no cartão de crédito, e a redução do “staff” de empregados do Leste Europeu que a seguia por toda parte. A polícia (chamada pela filha pequena) veio em socorro de Jack, com o rosto partido por um vaso caríssimo.

Tara Wilson criou a expressão “Toxic Wife” (Esposa Veneno) para designar essas beldades que casam com tubarões-da-grana de olho no seu dinheiro, e batem em retirada quando o dinheiro desaparece, para fisgar em seguida outro milionário desatento. Ela a define como “a mulher que larga o trabalho assim que se casa, em princípio para criar um lar estável para os filhos que virão, mas que logo em seguida aluga um exército de criados para cuidar das tarefas domésticas, ficando com todo o tempo livre para fazer compras, ir aos restaurantes e desfrutar do luxo”.

Desde o colapso financeiro de setembro passado, os pedidos de divórcio na Inglaterra aumentaram 50%. Diz Wilson: “Essas caçadoras de riquezas são materialistas a um ponto tal que não têm a menor consideração por outras pessoas. Falta-lhes empatia com outros seres humanos.” Um marido abandonado descreve assim a ex-esposa: “Ela tem a personalidade de uma criança mimada, que começa a gritar no momento em que lhe tiram da mão um brinquedo”. Susie Ambrose, uma conselheira matrimonial de alto nível, diz que tais mulheres são exatamente como os homens de negócios com quem se casam: frias e implacáveis, quando se trata de dinheiro. “Não importa se o marido é gordo, velho, careca, pouco atraente: é no dinheiro que elas estão interessadas”. Susie ministra cursos (cujo preço vai de 10 mil a 60 mil libras) ensinando os homens a distinguir entre essas “esposas veneno” e as mulheres sinceras. Há alguma lógica na cobrança de uma taxa tão alta – quem não pode pagar pelo curso também não corre o risco de ser vítima delas. A natureza é sábia, amigos. Um brinde à nossa pindaíba!