terça-feira, 14 de janeiro de 2014

3395) "Notícia de um sequestro" (14.1.2014)





Na série “Livros Meio Antigos Que Sempre Me Interessaram Mas Só Agora Estou Lendo” posso incluir com prazer este relato de Gabriel Garcia Márquez, de 1996, a época em que a violência na Colômbia atingia proporções quase de guerra civil. Márquez, por um lado, tem uma imaginação “Realismo Mágico”, capaz de infinitos desdobramentos e constantes surpresas.  Sua formação, no entanto, é jornalística, e quando se detém sobre fatos ele parece ser tão objetivo e atento ao detalhe quanto – digamos – um Fernando Morais ou Ruy Castro, dois dos nossos referenciais de história verdadeira contada com rigor de minúcias.

O livro acompanha o sequestro de uma dezena de jornalistas colombianos pela quadrilha de Pablo Escobar, o barão da cocaína que na época tentava pressionar o governo para evitar ser extraditado para os EUA, onde suas chances de escapar à justiça seriam nulas. Os jornalistas eram de famílias influentes (havia a filha de um ex-presidente da República), famosos em todo o país. Ficaram em diferentes cativeiros, vigiados 24 horas por adolescentes drogados e armados, e a narrativa acompanha tanto os reféns quanto as famílias que, do lado de fora, pressionam o governo e os sequestradores em busca de uma solução.

Márquez arma o livro como uma história de suspense. Para nós, não-colombianos, todos aqueles personagens são desconhecidos. Lá, já se sabe (é fato histórico) quem morreu e quem foi resgatado com vida; para um leitor distante, é uma história que está acontecendo pela primeira vez no instante da leitura. Imaginamos a qualquer instante um desfecho trágico para qualquer um daqueles personagens. Sabemos que tudo já aconteceu, mas nossa ignorância do resultado nos ajuda a ler os fatos como se qualquer final fosse possível.

É uma história com intriga política, suspense, violência, fazendo um corte de várias classes sociais (há um contraste patético entre o refinamento inútil dos sequestrados e a rusticidade dos “testas de ferro” dos cativeiros), contada por um narrador onisciente que não pode interferir no enredo: ele vê tudo, mas tudo imovel, porque já aconteceu. Se fosse literatura, seria interessante saber até que ponto seriam toleráveis certos infelizes acasos que ocorreram, e certos destinos trágicos que parecem escritos em implacáveis estrelas. Descontando a crueldade e a tragédia das mortes de fato acontecidas, o destino da maioria dos reféns é um anticlímax. Romancistas e roteiristas de cinema hesitam em encerrar um drama dessas proporções de maneira banal, com pessoas famintas, atarantadas, andando numa rua de periferia em busca de um táxi ou de um telefone.