quarta-feira, 26 de novembro de 2014

3668) "Teia de Cordéis" (26.11.2014)



Este catálogo-livro foi editado pela Fundação de Cultura Cidade do Recife (2013) para acompanhar a exposição homônima de folhetos de cordel, que esteve em cartaz de março de 2011 a maio de 2012, no Museu de Arte Popular (MAP) do Recife.  A exposição foi dividida em duas partes: “Cordéis Portugueses” (da Coleção de Arnaldo Saraiva) e “Cordéis Brasileiros” (da coleção de Maria Alice Amorim), com curadoria dos dois pesquisadores para a primeira parte, e de Alice Amorim para a segunda. Cabe aos dois, também, a redação dos textos do volume, que examinam e comentam o material exposto.

O livro, com 236 páginas, é um pequeno primor de projeto gráfico, com reproduções de mais de 240 capas, folhas de rosto ou páginas avulsas de cordéis, incluindo também algumas das chamadas “folhas volantes” com poemas impressos de um só lado, usadas tanto lá quanto cá. A reprodução de capas de cordéis, quando é muito boa (como neste caso) revela com clareza as cores exatas das tintas, sua tendência ou não a borrar, a textura do papel, sua aspereza ou lisura, sua tendência a escurecer e se esfarelar nas bordas.  As publicações portuguesas aqui reproduzidas mostram com perfeição, em obras dos anos 1600 ou 1700, as manchas e ondulações do original, a finura das capas deixando transparecer o que há impresso pelo lado de dentro, o desalinhamento eventual dos tipos.  Tudo isso conta; tudo isso revela o trabalho e as condições de trabalho de quem os produzia.  O aspecto editorial dos folhetos é tão rico e fascinante quanto o seu aspecto propriamente literário.

E há a questão recorrente do quanto o cordel brasileiro é uma mera expansão do corpus temático do português. A filiação dos dois me parece clara, e clara também a descoberta de novos territórios que aqui se fez, até porque nosso cordel atual vive numa sociedade mais complexa em possíveis temas, em possíveis abordagens, em novas atitudes mentais e criativas que seriam impensáveis num Portugal (e mesmo num Brasil) de 1800. Se Portugal como país é o caso de uma sociedade que deu origem a outra maior e mais complexa que ela mesma, acho que o mesmo pode-se dizer de sua poesia popular impressa, o que não a desmerece, pelo contrário.  Ali estão as sementes, o DNA: o restante se deve à evolução independente que a criatura tomou, sua força de falar com voz própria, de recriar com uma estética própria uma poética e uma tecnologia editorial herdadas.  Essa justaposição do cordel lusitano e brasileiro mostra a personalidade distinta de cada um e a criatividade de ambos, a decantação poética que ambos produziam e produzem no meio social que os escreve, decora e recita.