quinta-feira, 22 de setembro de 2011

2668) O preço do ingresso (22.9.2011)



(foto: Alexey Titarenko)

Num país do Leste Europeu, um governo corrupto foi derrubado por um golpe chefiado por militares nacionalistas. Rasgaram a Constituição e impuseram outra, prenderam dissidentes, o de sempre. Entre outras providências, resolveram interferir no mercado cinematográfico. Havia uma polêmica interminável ali sobre a invasão de filmes norteamericanos, que estava sufocando a criatividade dos realizadores locais. O Ministério das Artes Visuais, chefiado por um tenente-coronel com especialização em mísseis balísticos, chegou a uma curiosa conclusão. Argumentou ele que era uma injustiça muito grande que o cinema dos EUA, riquíssimo e poderoso, concorresse nas bilheterias em igualdade de condições com o cinema local, notoriamente amadorístico, pobre de recursos. Assim como (raciocinou o Governo) uma garrafa de vinho francês safra 1920 não custa o mesmo que um vinho banal, por causa dos insumos envolvidos em sua produção, o ingresso de uma superprodução norteamericana não pode custar o mesmo que o ingresso de um filme feito por meia dúzia de cabeludos que estão querendo mudar o mundo em uma hora e meia.

Vai daí, o Governo gerou um complicado mecanismo de avaliação de custos para os filmes, e enfiou goela abaixo dos distribuidores e exibidores a exigência de que o ingresso para ver um filme deveria custar cerca de 0,001% do orçamento total do filme (o exemplo do relise distribuído à imprensa era: “O ingresso para um filme que custou um milhão de dólares deveria custar dez dólares”). Falou-se em redistribuição de renda, em geração de empregos, em incentivo à produção local.

Isto provocou, é claro, um enorme mal-estar e uma saia muito justa com os distribuidores internacionais, que até então achavam muito natural que um filme de Indiana Jones cobrasse o mesmo preço de ingresso cobrado por um filme-de-arte como Seis tonalidades de bruma de Zbigniew Tornatolski. Como a essa altura a economia do país já estava totalmente dolarizada (um pão francês chegava a custar mais de 10 milhões de “vezlatys”, a moeda local), o mercado exibidor se deparava com filas gigantescas querendo ver filmes importados a custo quase zero (Andy Warhol, Julio Bressane, John Cassavetes), cuja entrada custava alguns centavos de dólar ao espectador. E no cinema ao lado, havia um engarrafamento de limusines, tapete vermelho, gambiarras de luzes e cronistas sociais para receber a burguesia local e o alto escalão do governo, gente capaz de pagar um ingresso de 2.370 dólares para assistir o Avatar de James Cameron (claro que todos recebiam dos cofres públicos uma ajuda de custo especial para isto, mas aí já é outra história).