terça-feira, 10 de setembro de 2013

3287) Festival Sagarana (10.9.2013)




No aeroporto de Brasília entra-se na van e pega-se a estrada na direção oeste. Daí a meia hora já se está em território de Goiás, seguindo pela GO-346 e mais adiante em território mineiro pela MG-479. Os últimos 20 minutos são feitos numa estrada de terra marrom-avermelhada (a cor que sempre associei ao título do livro de J. G. Rosa). Ultrapassa-se uma ponte de madeira, depois outra, atravessa-se Uruana de Minas, a “Cidade das Cachoeiras”. Sagarana é um pequeno distrito do município de Arinos, um assentamento de pessoas beneficiadas pela reforma agrária do Incra, que estão ali desde 1970. Uma daquelas pontes de madeira que atravessamos fica sobre o rio Urucuia, o das “águas vemelhas”, tão presente nas histórias de Guimarães Rosa.

O Festival Sagarana existe há seis anos, e envolve discussões de interesse local (meio ambiente, educação, etc.) e espetáculos variados de dia e de noite. Nos dois dias que passei lá, vi shows de violeiros como Pereira da Viola, Chico Lobo e o português Pedro Mestre, além de reencontrar amigos e parceiros como Siba e a banda Cabruêra, e ver artistas mineiros como Carlos Farias e Victor Santana. Os debates passam por muitos assuntos, mas Guimarães Rosa é o ponto de partida e de chegada das discussões: foi ele quem colocou aquela região no mapa do mundo. Participei de uma mesa que tinha, entre outros, Waldo Lima do Valle, Fred Maia e Almir Paraca, falando sobre a busca do sertão profundo. Repeti que os cangaceiros e beatos de hoje são, nas cidades, os traficantes de drogas e os falsos religiosos. 

O lugar é tão afastado que o celular não dá sinal, mas existe uma banda larga wireless muito boa, instalada permanentemente ali graças ao Festival. A conexão cumpre hoje o papel que o rádio cumpria em contos como “Dão-Lalalão”, em que as rádio-novelas são escutadas, acompanhadas, discutidas, polemizadas. O sertão sempre encontrou uma antena para escutar o mundo.

Imensos tapetes de grãos amarelos cobrindo a planura de horizonte a horizonte, rios brilhando como se cobertos por escamas prateadas de peixe ao entardecer, uma cúpula geodésica feita de bambu, um enduro a pé com bonés e cajados, um boneco de Paulo Freire com um monitor de PC no colo, uma luthieria que fabrica violas, um desfile de fanfarras escolares, com paletós e dragonas, embaixo de um sol de rachar, três caras jogando sinuca no Pont’s Bar enquanto na calçada deserta um carro estronda baticum eletrônico, um mutirão de fiandeiras, jovens fazendo roda de ciranda ao som de viola do Alentejo, riachos com nomes como Córrego Pasto dos Bois ou Ribeirão Suçuarana, que correm para o mar como os sertanejos de Glauber Rocha.