terça-feira, 31 de dezembro de 2013

3383) Dois livros de 2013 (31.12.2013)





Um dos melhores lançamentos deste ano (pela Cia. Das Letras) foi Pulphead – o Outro Lado da América de John Jeremiah Sullivan, uma coletânea dos ensaios jornalísticos que fez uma bela dupla com Um Pouco Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo de David Foster Wallace (Cia. Das Letras), também um livro de ensaios intensamente pessoal, sem prejuízo da parte factual e informativa. Mas onde o estilo e a personalidade de Wallace são delirantes, barrocos, de frases caudalosamente intermináveis, Sullivan tem um tom mais reflexivo, contemplativo, uma linguagem mais translúcida, embora capaz de um sarcasmo delicioso e uma notável finura de descrição.

Alguns dos ensaios de Pulphead têm a música popular como ponto de partida: Axl Rose (“O último retorno de Axl Rose”), Michael Jackson (“Michael”), o reggae de Bunny Wailer (“O último Wailer”), músicos obscuros de country e blues (“Bardos desconhecidos”), rock evangélico (“Sobre este rock”). Ele escreve como um fã, mas um fã equilibrado e crítico. Pela primeira vez, aliás, consegui enxergar algo que valesse a pena em Axl Rose, que sempre me pareceu um desorientado. (E é – mas noutro nível.)

Ele aborda também temas científicos que não devem ser fascinantes pra todo mundo, mas são pra mim: Rafinesque, um cientista fora-de-esquadro dos sécs. 18 e 19 (“A carreira de um naturalista excêntrico”), os mistérios dos povos que habitaram os subterrâneos da América antes da colonização (“Cavernas inominadas”), as consequências de um choque elétrico na mente de um rapaz – o irmão de Sullivan, roqueiro eletrocutado por um microfone e que sobreviveu (“Pés na fumaça”), os inexplicáveis surtos de agressividade animal contra os humanos nas últimas décadas (“Violência dos inocentes”).

Há espaço também para interessantes análises do reacionarismo político de certas regiões dos EUA, que ele cobre como se estivesse pisando em terreno minado, e está (“Quero minha América de volta”, “Num abrigo - depois do Katrina)”. A TV norte-americana também não escapa de um relato divertido e devastador feito com olhos pretensamente inocentes: “A casa de Peyton”, “Concentrando-se no que é realmente real”. E há um relato divertido e comovente dos últimos anos de um escritor de 90: “Sr. Lytle: um ensaio”.

Sempre que a ficção começa a desperdiçar seus instrumentos de fazer contato com a realidade, cabe à não-ficção botá-los na roda novamente. Tanto Wallace quanto Sullivan são escritores armados dos pés à cabeça (Wallace foi também romancista de peso). Seus relatos são encharcados de sentimentos pessoais mas eles nunca cedem ao narcisismo blasé tão frequente no jornalismo investigativo.


domingo, 29 de dezembro de 2013

3382) 11 gafes (29.12.2013)




Amarílis Santiago, 53 anos, Londrina: estava num churrasco na fazenda de um primo do marido e apontou uma garota: “Olha que piriguete mais escandalosa”, e o irmão do dono da casa disse: “É minha filha”.  

Guilherme Batista, 28 anos, Salvador: em sua primeira reunião com o alto-comando da agência de publicidade onde trabalhava há dois meses, teve um acesso incontrolável de riso ao ouvir a voz fanhosa e gaguejante do sócio sênior da empresa, e lembrar a imitação perfeita que um dos motoboys fazia dele nos papos descontraídos no fumódromo. 

Celso Ribeiro Farias, 43 anos, Brasília: num banquete comemorativo ficou ao lado de um Embaixador, e de tão nervoso passou a noite tomando vinho em sua própria taça e depois na do vizinho (e foi o único que não percebeu).

Ademar Cordeiro de Sá, 39 anos, São Paulo: passou um mês trabalhando num artigo para uma revista científica, mandou por engano um rascunho cheio de erros, que foi publicado e está lá para sempre.  

Alice Rodrigues, 43 anos, Recife: no casamento do cunhado brindou elogiando os noivos, desejou mil felicidades, e nas três vezes em que citou a noiva chamou-a pelo nome da ex-esposa do cunhado. 

Mauro Benevides de Sá, locutor de rádio FM, Anápolis: no fim de um número musical, reprimindo um bocejo, anunciou: “Em Anápolis, são precisamente duas horas e 28 centímetros”. 

Maria da Penha Silva Guimarães, 38 anos, Caruaru: ao chegar numa festa com o vestido idêntico ao da dona da casa, esta se aproximou sorridente, tentando descontrair, dizendo: “parabéns pelo bom gosto!”, e ela, nervosíssima, saiu-se com: “que é isso, esse meu vestido é horroroso!”.

Jorge Moreira, Rio de Janeiro, 43 anos: músico, morou em Nova York, e uma madrugada estava gravando num estúdio e chegando na lanchonete interna viu um crioulo junto ao balcão, pediu uma Coca-Cola e descobriu que era Miles Davis. 

João Mauro Balião, 55 anos, Goiânia: chegando em casa de madrugada viu um homem pulando o muro da casa vizinha, chamou a polícia, e ficou sabendo que era o amante da viúva que morava ali sozinha, e para a qual ele também mandava uns olhares compridos. 

Carlos Feitosa Valença, 52 anos, São Luís: aceitou prefaciar o livro de memórias de um ex-colega da Faculdade de Direito, não leu os originais, e em seu texto recordou com jovialidade um episódio de juventude vivido com o autor, só que dando deste episódio uma versão discrepante e comprometedora. 

Gleidson Luna, 19 anos, Natal: na primeira vez em que foi pegar a namorada na casa dos pais para levar pro cinema disse à futura sogra: “Pode ficar tranquila porque eu vou levar ela para um motel seguro, um que eu vou lá toda semana. Rá rá rá! Brincadeirinha.”






sábado, 28 de dezembro de 2013

3381) Singularidade maligna (28.12.2013)



Quando Mary Shelley criou em 1818 o seu Frankenstein, estava criando um dos mais versáteis símbolos do mundo futuro. O monstro fabricado em laboratório já serviu de alegoria para tudo. Uma das primeiras que me chamaram a atenção foi a de um crítico que disse: “O monstro de Frankenstein é o adolescente de hoje. Feioso, desajeitado, mal vestido, com um cabelo horrível... Sem saber falar direito, e sem saber o que fazer com o próprio corpo... Querendo achar uma companheira, praticando atos involuntários de violência, porque é grande demais para si mesmo...”  E por aí vai.

Talvez o primeiro grande monstro da FC seja uma metáfora para o último: a Singularidade, o momento em que o homem produzirá uma Super-Inteligência Artificial capaz de suplantá-lo. Ninguém está tentando criar isso, na verdade. Mas existem hoje no mundo milhares de pesquisas independentes que convergem todas nessa direção. A S.I.A. vai surgir pelas mãos de pessoas que não tinham a intenção de criá-la.

Softwares capazes de se reprogramar, se auto-consertar, se aperfeiçoar e evoluir. Chips, fibras, hardwares cada vez mais leve, eficaz, rápido e barato. Conexões sem fio ubíquas, velozes, superpostas. Tudo isto são como os pedaços de uma criatura artificial que estão sendo criados por pesquisadores independentes, que muitas vezes nem prestam atenção às pesquisas dos outros, porque estão mergulhados demais na própria.

Se quiséssemos criar a S.I.A. como um projeto civilizatório coletivo, talvez ela nunca acontecesse, porque cada passo teria que ser examinado e aprovado por dezenas de comissões internacionais. Não é o que está acontecendo. Cada pesquisa independente das outras, mas o que acontecerá quando essas partes, administradas por softwares conscientes, começarem a se coordenar e a trabalhar em conjunto?

A criação da Singularidade não deve ser muito diversa da criação da vida no tal “oceano primitivo”, há milhões de anos. Uma série de processos químicos independentes que acabaram gerando algo de natureza essencialmente diversa. No caso presente, pode-se argumentar que as pessoas envolvidas (os cientistas, as corporações, os laboratórios, etc.) sabem o que estão fazendo, mas na verdade esse “saber” é parcial, localizado, e de modo algum tem aquele objetivo em mente. Interrogados, esses pesquisadores não admitiriam ter como objetivo a criação de uma entidade bioeletrônica incontrolável. Diriam todos que “sabem muito bem o que estão fazendo” e que “não há a menor possibilidade daquele processo escapar ao seu controle”. Diriam, em suma, o que todo cientista diz antes de ser surpreendido pelo tsunami cumulativo e aleatório da ciência.


sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

3380) Arte Formigueiro (27.12.2013)




Os críticos defendem há muito tempo o conceito de que, em grande medida, a beleza está no olho de quem vê.  Isso tem uma força tão grande que é possível alguém enxergar beleza até onde não foi feito nenhum esforço para criá-la. É aquela beleza involuntária, ou aleatória, que podemos encontrar em manchas de lodo, num muro antigo todo descascado, nas manchas no interior de um tronco de madeira, em formações naturais (rochas, corais, nuvens) ou na estrutura microscópica de minúsculos insetos ou plantas. Olhamos para aquilo e vemos belas combinações de cores e de formas, vemos harmonia, vemos simetria, vemos elementos visuais que nos dão aquela velhíssima sensação expressa no velhíssimo clichê: “Parece uma pintura!”.

Pode ser beleza, mas, segundo os teóricos, não é arte, porque a arte pressupõe a intenção de criar a beleza, ou pelo menos de criar algo que impressione nossos sentidos e nossas emoções (expor um mictório numa galeria, como fez Duchamp). Existe sempre alguém por trás da obra de arte, por mais aleatória que ela pareça, como naqueles quadros que não passam de uma porção de tintas derramadas ao acaso sobre uma tela. Alguém posicionou a tela, alguém escolheu as cores das tintas, alguém iniciou e depois interrompeu o processo que se supõe aleatório. Pode não ser uma grande obra de arte, mas é obra de arte, sim, senhor. Alguém acaba gostando e até pagando cem mil dólares pelo resultado.

Este vídeo (http://bit.ly/1jjQ5RX) mostra uma maneira interessante de produzir arte. O sujeito encontra um formigueiro abandonado, vazio, e derrama dentro dele um galão de alumínio derretido, fumegante. O alumínio vai se esgueirando pelos corredores do formigueiro, e, depois de alguns minutos, se solidifica lá dentro. Resta ao artista cavar em volta, arrancar do chão aquele objeto com mais de meio metro de diâmetro, e depois aplicar sobre ele uma mangueira com jato dágua sob pressão, desprendendo e lavando toda a terra, deixando apenas o metal solidificado e frio que há no interior.

É arte? Eu acho que sim, porque requer um esforço imaginativo, uma antevisão do resultado, um mínimo de habilidade manual e o domínio de pelo menos dois tipos de tecnologia. O resultado é um emaranhado de hastes metálicas reproduzindo o labirinto interior do formigueiro; e é irônico que a forma final tenha sido criada pelos insetos e apenas revelada pelo Homem. Seria mais interessante ainda se o formigueiro estivesse ocupado e as formigas fossem mortas durante o processo. A obra de arte serviria como o resultado alegórico da relação entre o Homem e as demais espécies do planeta. O título final poderia ser: “Tua Morte é Minha Arte, Parceiro”.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

3379) FC e política (26.12.2013)



(a Trilogia de Washington)

Num artigo no número atual de The New Yorker, Tim Kreider observa o quanto a literatura dos EUA se distanciou dos grandes temas políticos, e propõe a tese de que a grande literatura política de hoje em dia é a ficção científica. (Isso pode parecer estranho a quem só entende a política através do circo partidário, das disputas eleitorais.) Diz Kreider: “Se os historiadores de daqui a 50 anos lerem a ficção literária de hoje, podem inferir que nossos maiores problemas sociais eram conflitos com os pais, relacionamentos insatisfatórios, e a morte. Se procurarem qualquer indicação de que tínhamos pelo menos um vago pressentimento sobre o crescente conflito global entre Capitalismo e Democracia, ou sobre a catástrofe abissal que nossa civilização estava neste período começando a produzir, talvez tenham que se voltar para (...) a ficção científica”.

O jornalista cita Kim Stanley Robinson (http://nyr.kr/IIiPDF) como um bom exemplo de autor de FC voltado para a política. Ele concentra sua análise na “Trilogia de Marte” (1993-94-96) onde o planeta é colonizado por gerações de terrestres – a quem cabe, evidentemente, administrar a complexa política do futuro mundo. Mas poderia ter citado também outras séries de Robinson como a “Trilogia da Califórnia”, três romances (1984-88-90) em que ele imagina três futuros possíveis e mutuamente excludentes para a região de Orange County, três hipóteses possíveis de futuro político e social para uma única comunidade.

Já comentei aqui outra série de KSR, a “Trilogia de Washington” (2004-05-07), que tem como foco a crise ambiental em curso, vista através de um ambientalista, assessor de um senador dos EUA que acaba se elegendo presidente no meio da catástrofe global. Em seu artigo, Tim Kreider diz que a FC é “um gênero inerentemente liberal (mesmo tendo muitos praticantes que são politicamente conservadores), no sentido de que veem o ‘status quo’ como algo contingente, um acidente histórico, enquanto os conservadores o veem como inevitável, natural, e portanto justo”.  Ele considera que Robinson “tenta aplicar o pensamento científico à política, abordando-a menos como se fosse Física Pura, onde uma equação/ideologia infalível basta para explicar tudo, do que como a Engenharia, um processo que Roosevelt chamou de ‘experimentação ousada e persistente’, descobrindo o que funciona e combinando elementos eficazes para sintetizar uma coisa nova”. A obra inteira de Robinson é um impressionante trabalho de engenharia futurologista, numa época em que grande parte da literatura de seu país passa ao lado da política pisando na ponta dos pés para não despertá-la.


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

3378) Natal 2013 (25.12.2013)




(Catrin Arno)

... e a esfera armilar do firmamento
como guarda noturna em sua ronda
girou pela interface da redonda
película do céu que nos protege.
Mesmo um sujeito como eu, herege,
olha o céu e se sente agasalhado.
É “O Vazio”?  Não.  É o meu Sagrado.
Uma infinita bolha de matéria
onde brotam a glória e a miséria
no minúsculo grão da vida humana.

Falar nisso... Já faz uma semana
que a editora prometeu meu cheque
e eu desenrosco a tampa à long-neck
comemorando o ovo inda não posto.
É dezembro! O espelho mostra um rosto
macilento por noites sedentárias
mas de rugas, somente as necessárias;
no futuro talvez virá a hora
que eu lembrarei da minha vida agora
e é capaz de eu achar que fui feliz.

Besteira! Tô melhor que o meu país.
Tocando a bola no meio de campo
e não me falta a gig, o bico, o trampo
com que pagar as contas fim de mês.
Acha pouco? Eu também, mas quem não fez
contabilismos pela madrugada,  
o “vai tanto” e o “noves fora nada”,
como o refém que orça o seu resgate
com usura e malícia de mascate
maquilando o Haver no fim do dia?

Dezembro se perfuma em alegria
como incenso de pira funerária
e cada um vai misturando a vária
paleta de emoções de que é capaz.
Eu só peço um minuto, um só, de paz;
e me sossega a bulição da mente.
Abro o caderno, anoto algum repente,
abro uma cerva, “aquéto” o coração,
abro a memória, a imaginação...
e as duas me aconchegam no que eu sou.

E o meu PC, que nunca mais travou?
E dor daqui, que nunca mais doeu?
Quem sabe o mundo enfim desaprendeu
a dar defeito? Pense num progresso!
Quando o placar é bom, tudo que eu peço
é que o jogo consinta em ser jogado.
Ah, meu corpo, resíduo “escangalhado
mas glorioso, como um Garibaldi”,
e que ainda não quer chutar o balde
(é de Lobato a citação). É cedo.

Pois venha a neve. As renas, o arvoredo
onde os clichês bimbalham, o espumante,
os presentes, a multidão cantante
dos sem-teto ao redor da manjedoura,
a pílula-placebo que se doura,
ilusão que é real, posto que existe;
como o mundo de Skyrim ou de Myst
este é feito de enredo, som, imagem,
é tudo que nos basta, na viagem
entre um silêncio e outro em queda lenta.

A vida canta. A vida luta e tenta
ser razão de si mesma e seus cuidados.
Basta abraçar alguém de olhos fechados
e de repente o mundo é mais real.
Certo dia... surpresa! Olha o Natal,
este rito plangente de emboscada,
a vida, a força mais temida e amada,
a única que temos... Então vinde,
companheiros, e a todos ergo um brinde
sob este céu parado em movimento...


3377) Começos de livros (24.12.2013)





Começar bem um livro é meio caminho andado, e alguns começam tão bem que seu trecho mais famoso acaba sendo a frase inicial (o que, aliás, me deixa sempre em dúvida quanto à qualidade de todo o resto do romance). Não posso deixar de indicar os modelos de sempre: Cem Anos de Solidão, Um Conto de Duas Cidades, O Processo, Lolita, Grande Sertão: Veredas, Gravity’s Rainbow, Neuromancer...

O saite Infoplease (http://bit.ly/19jCNAR) publicou uma lista dos “100 Melhores Começos”, que relaciona todos estes e mais alguns. O que é uma boa chance para conhecer novidades. Toni Morrison começa seu Paradise dizendo: “Eles atiraram primeiro na garota branca”. É o tipo da abertura que me faz anotar mentalmente o livro e pegá-lo na primeira oportunidade para ler pelo menos a primeira página. Sempre é bom começar uma história “in media res”, no meio dos acontecimentos. A coisa arranca tão rápido que o leitor fica com medo de pular fora e torcer o tornozelo.

Simpatizei com o espanhol Filipe Alfau, que começa seu Chromos com: “No momento em que alguém aprende inglês, começam as complicações”. E com a desconhecida Anita Brookner que, de certo modo, o ecoou em The Debut: “Aos 40 anos, a Dra. Weiss sabia que sua vida tinha sido arruinada pela literatura”. Num outro diapasão não há como não dar um pulo na poltrona ao ler a abertura de The Crow Road de Iain M. Banks: “Foi no dia em que minha avó explodiu”.

A abertura nos joga de corpo inteiro na história, seja com o flash de uma época ou de uma paisagem, seja com o retrato instantâneo do protagonista ou de um personagem qualquer, cuja vividez nos serve de isca para continuar lendo o resto.

Por outro lado, nos joga também na mão do narrador, que, se for hábil, impõe desde logo o tom e a cadência da sua cantiga. Todo romance bom tem uma cantiga, tem um jeito de contar e de dizer, tem uma escolha de sonoridades e de ritmos. Não é só o que se diz, é o jeito único e inimitável de dizer. Como o de Flannery O’Connor em The Violent Bear it Away: “O tio de Francis Marion Tarwater estava morto somente há metade de um dia quando o rapaz ficou bêbado demais para terminar de cavar sua cova, e um negro chamado Buford Munson, que tinha vindo encher um garrafão, teve que terminar de cavá-la e depois arrastar o corpo da mesa onde ele ainda estava sentado e sepultá-lo de modo decente e cristão, com o sinal do Salvador na cabeça do túmulo e terra bastante por cima para não deixar que os cachorros o puxassem para fora”. Ambiente, meio social, pessoas, crueza de linguagem, vem tudo na primeira pincelada, e cabe ao autor continuar à altura dela.


domingo, 22 de dezembro de 2013

3376) Eu detesto o Brasil (22.12.2013)





Falo aqui, de vez em quando, desses blogs de estrangeiros que moram no Brasil e comentam, com seu ponto de vista peculiar, nossos hábitos, nossa cultura, nossos valores. 

Em geral são comentários positivos, afinal quem vem de fora para morar aqui geralmente é porque gosta. Aconselho uma olhada nesta página (http://bit.ly/18ZkuAM) onde o autor anuncia suas “20 Razões Por Que Detesto Morar no Brasil”, que depois os leitores aumentaram até 66. 

Umas são tolices, outras são preconceituosas, outras são cobertas de razão. 

(O maior erro, comum nestes casos, é a generalização, dizer “os brasileiros” dando a entender, ao lado de fora, que TODOS os brasileiros são assim.)

Concordo, p. ex., com: 

“Os brasileiros não respeitam o meio ambiente. Derramam toneladas de lixo em qualquer lugar, a sujeira é inacreditável, as ruas são sujas mesmo. Os recursos naturais são abundantes mas estão sendo desperdiçados numa velocidade assombrosa.” 

“Os brasileiros têm um sistema de classes muito marcado. Os ricos têm uma noção dos próprios direitos que beira a caricatura. Acham que as regras não se aplicam a eles, que estão acima das leis.” 

“Serviços práticos são de baixa qualidade: janelas, portas, dobradiças, encanamento, eletricidade, calçadas, tudo é construído com o menor esforço possível”. 

“Carros passam à noite tocando música tão alto que meu prédio estremece.” 

“As pessoas compram a prazo equipamentos caríssimos que irão quebrar antes de serem pagos por completo”. 

“As janelas não têm telas anti-mosquitos. Ao que parece é uma tecnologia incompatível com a infraestrutura atual. Pontes suspensas tudo bem, mas pedir telas é pedir demais.”

Por outro lado, certas queixas mostram o quanto é difícil viver no meio de outra cultura, seja ela qual for. O cara diz: 

“Os brasileiros permanecem muito próximos, tanto emocional quanto geograficamente, das suas famílias de origem. Isto não é necessariamente um defeito, mas é algo que não suporto, porque me deixa desconfortável e afeta meu casamento. Brasileiros adultos nunca cortam o cordão umbilical com sua família de origem (especialmente com as mães) que continuam a se envolver em sua vida, seus problemas, decisões, atividades, etc. Como dá para imaginar, isso é ainda mais difícil para um cônjuge de outra cultura, onde vivemos em famílias nucleares e temos uma dinâmica diferente com nossas famílias de origem.” 

Mais uma vez, é algo que não vale para todo mundo, mas de fato o conceito de proximidade familiar que cultivamos é próximo do conceito dos portugueses ou italianos. Indivíduos criados em outros sistemas de relações familiares devem ficar malucos casando no Brasil.








sábado, 21 de dezembro de 2013

3375) O plot Rube Goldberg (21.12.2013)



Já falei aqui na coluna sobre um dos meus ídolos, o norte-americano Rube Goldberg (1883-1970), cartunista que ficou célebre pelos seus desenhos de máquinas complicadíssimas, cheias de elementos interligados surrealistamente para produzir efeitos bem bobos. Para acender uma lâmpada, Goldberg fazia um sujeito ligar um ventilador, cujo vento empurrava um barquinho num tanque, e o barquinho avançava até seu mastro desequilibrar uma calha, por onde rolava uma bola de ferro que caía sobre o prato de uma balança, e com isso fazia elevar-se o outro prato onde havia uma vela acesa, e a vela se elevava até a chama entrar em contato com um cordão esticado, e o cordão se rompia, e com isso liberava um peso, que puxava e largava a borracha de um estilingue, o qual desferia uma pedrada direto no botão do interruptor, acendendo a luz.

Isso lembra um pouco o Paradoxo de Zenão, que tem diversas formas de enunciação, mas em sua essência sugere que é sempre possível dificultar uma tarefa simples dizendo que para executá-la é preciso executar primeiro outra, e antes dessa uma terceira, e antes dessa terceira uma quarta, até o infinito.

Os roteiros do cinema, principalmente dos filmes de ação, assimilaram essa vertigem. Há uma coisa simples a ser feita (prender um bandido, resgatar uma pessoa, encontrar um tesouro, concluir uma viagem), mas é sempre possível ficar inventando peripécias e transtornos que cada vez deixam mais longe o objetivo final e aumentam o suspense: “Conseguirão os nossos heróis, etc etc.?”. Não devemos botar a culpa em Hollywood: que o primeiro culpado seja o Homero da Odisséia, porque bem que Ulisses poderia ter voltado para Ítaca em uma semana, mas o poeta danou-se a inventar ciclopes e Circes e comedores de lótus… Enfim: quando o herói chegou em casa só quem se lembrava dele era o cachorro.

Na pulp fiction e nas aventuras popularescas (de Fu-Manchu a Indiana Jones, de James Bond a Batman), nada exprime tão bem essa mentalidade barroco-masoquista do que as artimanhas dos vilões para matar o mocinho depois que o prende. Bastava um tiro na testa, não é mesmo? É um método muito popular na vida real, e infalível em 100% dos casos. Mas o vilão escolhe matar o herói depois de uma longa cena onde monologa didaticamente, explicando para o leitor/espectador um roteiro que até então nem mesmo o roteirista enxergava com clareza. E se retira do galpão abandonado deixando o mocinho vivo e atado a um poste, enquanto um relógio tiquetaqueia até a hora em que irá acender uma fagulha que irá acender um rastilho de uma bombinha que irá abrir um tonel de onde sairão abelhas assassinas, e bibibi, e bobobó.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

3374) Violências de hoje (20.12.2013)



Nunca pensei que redes sociais através de computadores despertassem, em pessoas que a gente presume civilizadas, e que muitas vezes conhece pessoalmente, esses picos de agressividade, de descortesia, de violência verbal. Pessoas se intrometem com-quatro-pedras-na-mão num bate-papo de desconhecidos, insultando a uns e outros que não concordam com os pontos de vista lá delas. Insultos e ofensas estouram quando menos se espera. Por que?

Geralmente se diz que a causa é a distância física e o anonimato. Comentar num blog nos dá a possibilidade de ofender alguém que dificilmente vai ter a chance de afundar nosso nariz com um soco, mesmo porque jamais saberá quem somos – estamos assinando aquilo com nomes tipo GrimRaper ou NecrófagoDeAluguel. Tipo assim. Deitamos e rolamos, e a possibilidade de rebordosa física (a única capaz de nos atingir, porque moralmente somos um simples vapor rarefeito) é remota.

Na “Carta Capital”, Luiz Gonzaga Belluzo escreveu algum tempo atrás: “Nos comentários da internet, vai ‘de vento em popa’ o que Herbert Marcuse chamou de ‘automatização psíquica’ dos indivíduos. Os processos conscientes são substituídos por reações imediatas, simplificadoras e simplistas, quase sempre grosseiras, corpóreas. Nesses soluços de presunção opinativa, a consciência inteligente, o pensamento e os próprios sentimentos desempenham um papel modesto. Convencidos da universalidade do seu particularismo, os internautas comentaristas distribuem bordoadas nos que estão no mundo exatamente como eles, só que do lado contrário.”

Isto me lembrou uma nota que li muitos anos atrás, de que na Suíça, país auto-controlado e politicamente correto, havia lugares onde o sujeito pagava uma taxa fixa, entrava numa sala e tinha ali uma imensidão de porcelanas baratas que ele podia sair arrebentando com uma barra de ferro. Depois de 50 minutos e mil francos suíços, o cara ia para casa repousado, descarregado, pacífico como um bebê Johnson.  As redes sociais devem ter para alguns este mesmo efeito descarregador de tensões. O cara vai lá, arregaça, pontifica, esculhamba com meio mundo, e vai dormir. Seu único problema agora é que o ego não cabe na cama.

O passeio na web é uma viagem onde estamos rigorosamente sozinhos, diante de uma página colorida cheia de avatares, de bonecos. Tratamos esses bonecos de acordo com nossos impulsos mais íntimos, como nossa maneira em-bruto de ser. Há uma pergunta terrível que diz: “Do que você seria capaz, se tivesse certeza que ninguém nunca descobriria?”. A Internet parece perguntar: “Do que você seria capaz em público, se tivesse a ilusão de estar sozinho?” A resposta está aí.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

3373) I-Ching e futuro (19.12.2013)



No filme Minority Report de Steven Spielberg, baseado num conto de Philip K Dick, há um uso interessante dos precogs (pessoas que veem o futuro) como instrumento divinatório. Eles equivalem ao I-Ching, que tem papel importante em O Homem do Castelo Alto. O I-Ching desta história são três filhos de viciados em drogas que nascem com severas deficiências mentais acompanhadas, como tantas vezes acontece na fantasia e na FC, de talentos especiais.

Argumenta Dick no conto que se dois computadores equivalentes dão respostas diferentes para um problema, como saber qual está certo? Usando um terceiro, que desempata o jogo em 2x1. No filme, o 2x1 entre os três precogs mostra uma vantagem num futuro instável, onde existe pelo menos uma possibilidade de futuro a mais. Se os três computadores derem a mesma resposta ao prever futuro, ele é um futuro sólido, que dificilmente poderá ser evitado. “A unanimidade entre os precogs,” diz o conto, “é algo que se tem esperanças de que aconteça, mas raramente ocorre”.

No I-Ching, o oráculo chinês, jogamos três moedas para o ar para determinar o traçado de uma linha, se é inteira ou partida. As moedas têm uma face inscrita e uma fase lisa (pode-se atribuir essas características à cara e a coroa de uma moeda comum). A face inscrita vale 3, a face lisa 2. Quando jogamos e vemos três faces inscritas, a soma é 9 (3+3+3), o que manda grafar uma linha inteira. Quando são três faces lisas, a soma é 6 (2+2+2), e devemos grafar uma linha quebrada.

Mas ocorrem também placares de 2x1, seja a favor da lisa, seja da escrita. Essas são chamadas linhas estáveis, como se nelas houvesse um debate entre o yin e o yang, as forças fundamentais do Universo, Combate sem vencedor, por isso a linha não muda. Mas uma linha inteira com 3 moedas iguais (3+3+3) é chamada um “yang velho”, um yang que chegou ao próprio teto e agora tende a se transformar em yin (um processo cósmico, como a lagarta virando borboleta). E uma linha quebrada com 3 moedas iguais (2+2+2) também chegou ao ápice do yin, e sua tendência agora é se transformar numa linha yang.

Se um hexagrama tiver uma dessas linhas instáveis, ele produz duas versões de si próprio: uma onde aquela linha específica é quebrada (ou inteira) e outra a tal linha, que estava “caindo de madura”, vira o seu oposto, inteira (ou quebrada). No filme, essa instabilidade é representada pelo placar de 2x1 que adverte da existência de um “relatório minoritário”, a existência de outra versão possível do futuro. Já no I-Ching, é a unanimidade de 3x0 que indica o fim de um ciclo e a reversão de natureza da linha e a seguir do próprio hexagrama.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

3372) As estátuas de Völn (18.12.2013)




(Jurgen Drescher)

O Viajante que chega à cidade de Völn, num cantão remoto ao leste do Reno e ao norte do Danúbio, vê-se descendo para um vale muito verde e fértil. Uma paisagem tranquilizadora só atenuada pela presença, a noroeste, da escarpada e severa cordilheira de Nusbrau. Chega-se a Völn por uma estrada que vem do oeste, fazendo curvas pelos montes, ou por uma estrada de ferro que corta o vale.

A maior atração de Völn é a sua estatuária, moldada numa argila termo-responsiva abundante no vale, e utilizando técnicas desenvolvidas há mais de quatro séculos. Na Praça Weinburg, por exemplo, vê-se uma estátua em homenagem a Marius de Czege, um trovador local. Ao amanhecer, o poeta está sentado num banquinho, com o alaúde pousado no colo, em atitude meditativa; à medida que o sol se eleva e a aquece, a estátua vai mudando de cor e adquire um movimento quase imperceptível: ergue-se, empunha o instrumento, move os dedos da mãos e move a boca sorrindo, como se cantasse. A queda de temperatura no por-do-sol faz toda esse processo reproduzir-se de trás para diante.

A Ciência explica o fenômeno com uma analogia simples: um invólucro de celofane ou plástico transparente, quando é amassado até uma bola, tende a retornar aos poucos para a forma anterior, como se tivesse memória. Quando a argila dos vales de Völn é moldada, o artesão cria durante o processo de moldagem uma sucessão de temperaturas (com fornos e foles), e quando essa sucessão se reproduz no meio ambiente, ao ar livre, a argila “lembra” a forma associada a cada momento.

Em cada esquina de Völn há uma estátua em câmara lenta saudando os passantes, ou entretida com alguma atividade que só a ela diz respeito. Bonecos de barro enfileirados costumam brincar nos muros e os peitoris. Os restaurantes usam estátuas para receber os recém-chegados; estátuas de mendigos simpáticos recebem doações para o Sindicato dos Escultores. (Diz-se que há estátuas de aves capazes de pequenos voos em “loop”, eternamente indo e voltando.)  Poucas homenageiam figuras históricas: o uso local é criar tipos e atribuir-lhes um conjunto de ações que às vezes só é percebido por inteiro por quem se detém a observá-los durante horas a fio.

Como a cidade oferece poucas opções de trabalho aos jovens, sua população diminui e envelhece na mesma proporção do aumento do turismo. Isto produziu a “lenda urbana” de que todos os habitantes de Völn não passam de estátuas, caminhando lentamente até a padaria ou a farmácia, levando cães idosos e cegos para passear, lendo jornal no banco da praça, ou simplesmente sentando no jardim para se aquecer à luz do sol que mantém viva a substância de que são feitos.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

3371) Dick e a paranóia (17.12.2013)




(Philip K. Dick)

Apesar da comissão-de-frente de grandes romancistas policiais (citando Agatha Christie, Dashiell Hammett, Conan Doyle e Edgar Poe), é na FC que estão os melhores gimmicks (detalhes tecnológicos bem bolados) do filme Minority Report, de Spielberg. Um exemplo: a operação de globos oculares de Tom Cruise, que na primeira vez achei inverossímil e anticientífica, mas desta vez vi apenas uma hora depois de ver uma foto de Alex (Malcolm McDowell) no Laranja Mecânica de Kubrick. Há gimmicks que não precisam ser 100% possíveis, desde que tenham uma idéia inovadora e plausível,  como é o caso de uma máquina do tempo, por exemplo. De detalhes assim a FC está cheia. Neste caso, a cirurgia dos olhos serve ao herói, Anderton, como um ritual punitivo com que ele paga o direito de ser interpretado por Tom Cruise.

A melhor coisa do conto já era a premissa FC: polícia usa os videntes precogs para prever os crimes futuros e evitá-los.  Ela se torna essencial ao mistério detetivesco (sem o Pré-Crime esta história não poderia existir). E faz um paralelo interessante entre esse futuro que se pode ou não prevenir e aquele passado que se pode ou não modificar. É simétrico ao Grandfather Paradox: Se eu voltar no passado e matar meu avô, então eu não nasci, mas então se não nasci nada disto aconteceu? Aqui é: Eu posso perceber que você está a ponto de cometer um pecado mortal, mas eu vou lá e o obrigo a trocá-lo por um pecado venial, cujo castigo é delirar no Purgatório, o que é melhor do que morrer. Para alguns.

O conto é do tempo de Loteria Solar, o primeiro romance-pra-valer de Dick, em que o equivalente futuro ao presidente da República é escolhido por loteria, e ao mesmo tempo é liberado um assassino para matá-lo. É do tempo também do romance Eye in the Sky (1957), um dos seus livros em que um grupo de pessoas é arremessado em universos paralelos modelados pelas suas próprias mentes.

Dick examina a paranóia na elite da investigação criminal, misturando-a com um aparato quase de bombeiros. (Aliás, seus policiais com mochila-a-jato nas costas lembram os de Truffaut no final de Fahrenheit 451). O Pré-Crime é estadual e está sendo investigado por “um agente de Washington”, termo que tanto pode indicar um cavaleiro andante quanto o pior mafioso. É uma interferência de-cima-para-baixo do governo federal sobre uma polícia do Distrito de Colúmbia. No conto, escrito em 1955, Anderton é informado de que matará um homem, justamente um General que está querendo interferir no Pré-Crime para adquirir poder. Esse plot político “candidato-da-Mandchúria” foi substituído no filme pelo mistério agathachristiano de quem matou Anne Lively.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

3370) Peço perdão (15.12.2013)




Peço perdão por ter sido o único sobrevivente do massacre em que 200 soldados da volante exterminaram 17 cangaceiros indefesos, ou foram 200 cangaceiros que massacraram 17 soldados, a esta altura a guerra de contrainformação já dissipou os fatos. Peço perdão por ter me dado um branco e eu esquecido o nome do quinto filho de um rei do Império Otomano, pergunta que na prova oral minha professora preferida puxou da algibeira, certa de que eu tinha a resposta na ponta da língua, e ficou surpresa com a minha demora em produzir o nome instantâneo esperado, limitando-se a pigarrear em incentivo e limpar os óculos com uma flanelinha amarela de bordas serrilhadas ostentando o logotipo da ótica, enquanto eu gaguejava tartamudo uma contemporização qualquer e a classe inteira fazia um zunzum trocando cotoveladas discretas e comemorando: “Ele também erra!”.

Peço perdão pelo verso flácido, por aquele vacilo no contratempo, pela semitonação reiterada das minhas cordas de aço, por aquele agudo que se pretendia clímax triunfal e redundou numa refração auditiva capaz de rachar mil tabocas. Peço perdão pela gorjeta que foi só 10%, quando eu sei que esperava mais, nossa-amizade, mas a cerveja demorou, o petisco veio mal aquecido, e só vou pagar o mínimo previsto em lei. Peço perdão pelos crimes dos assírios e caldeus – vou por ordem cronológica até chegar nos meus. Peço perdão por ter deixado a van bloqueando o acesso dos bombeiros e das equipes de resgate, mas eu não poderia tê-la estacionado em outro lugar, visto que fui o autor do atentado. Peço perdão pelos meus solecismos, e os peço em dobro caso você não saiba o que quer dizer esta excelente palavra.

Peço perdão a Deus por imaginá-lo um Vazio, e por garantia peço perdão ao Vazio por ofendê-lo com essa contra-hipótese anacrônica. Peço-te perdão por não ter naquela festa criado coragem e dito um galanteio banal que demonstrasse minhas intenções, algo como “esse seu vestido tá tão bonito que dá vontade de tirá-lo às pressas”, para que você enrubescesse de pronto nos pontos-chave, mas, percebendo as orelhas-em-pé das fofoqueiras infiltradas, mexesse nos talheres enquanto erguia a voz para um bem audível “engraçadinho, você...”. Peço perdão por não ter tido a suprema gentileza do alvo que fasta um pouquinho e oferece a mosca para que a seta não se perca. Peço perdão aos ofendidos, aos prejudicados, aos insatisfeitos, aos indiferentes, e isso nada me custa, porque pedir perdão não é esperar esse perdão alheio que nunca vem mesmo, vamos admitir, pedir perdão é passar álcool na ferida, porque dói mas cura, e mesmo quando não cura pelo menos dói, e só dói em quem escapou.



3369) Tejo e Zé Limeira (14.12.2013)





(Orlando Tejo, por Rodrigo)



Está disponível no YouTube (http://bit.ly/IFR927) o documentário da TV Senado, dirigido por Maurício Melo Jr., O Homem Que Viu Zé Limeira, sobre o poeta Orlando Tejo e o seu famoso personagem. 

Zé Limeira é um personagem épico, no sentido de ser alguém que provavelmente teve existência física mas acabou recebendo uma estatura mitológica. Virou um agregador de lendas, um atrator da imaginação alheia. 

O cantador de Tauá tornou-se assim por obra e graça de Orlando Tejo e seu livro Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, um dos livros clássicos sobre a Cantoria de Viola, além de sobre Campina Grande e a Paraíba inteira.

Em princípios dos anos 1970, mais ou menos, Orlando Tejo decidiu-se a colocar no papel as histórias que sabia sobre Zé Limeira, que era um negro alto, de voz poderosa, e tinha um carisma peculiar onde se misturavam a simpatia, uma certa ingenuidade ou primitivismo (consta que ele tinha medo de trem de ferro) e uma capacidade inesgotável para fazer versos sem pé nem cabeça.

Toda cultura tem seu capítulo de nonsense, e muita gente já registrou, aqui mesmo no Nordeste, a presença de poetas que dão 100% de atenção ao som e zero ao sentido. Poetas que vivem para a métrica e a rima, sem dar a menor bola para o que estão dizendo. 

Zé Limeira tornou-se tão famoso, devido ao livro de Tejo, que hoje certamente muitos versos absurdos de outros poetas são transferidos para ele. Isso sem falar nos versos (esta questão é debatida no filme) que teriam sido escritos por Otacílio Batista e outros amigos de Tejo, depois que este se preocupou com a pequena quantidade de versos autênticos que teria recolhido.

Poeta contando história, os versos que achou são poucos? Não tem problema, qualquer um faz mais. Não é tão difícil, havendo um tal precedente. 

Quando eu fazia parte da Comissão de Seleção do Congresso Nacional de Violeiros, em Campina, incluí o mote “Se eu quiser eu também faço / igualzinho a Zé Limeira”, que é glosado até hoje, e aparece também no filme. 

Zé Limeira virou um estilo, pouco importa a pessoa.

O filme entrevista inúmeros poetas e fãs da cantoria (eu inclusive), mas devemos tirar um chapéu especial para Vladimir Carvalho. Deve-se a ele, e a sua mania de filmar tudo, a presença viva de Orlando Tejo neste documentário: falando, rindo, recitando, descrevendo Zé Limeira em detalhes, cantando sambas. (Eu conheço Tejo há quase 50 anos e nunca o tinha visto tocando violão.) 

Boêmio, gozador, improvisador fino, gente boa até a medula, Orlando Tejo deveria ter sua obra poética esparsa reunida em livro, e se isto acontecer um dia talvez ele acabe se tornando mais famoso do que sua mais famosa criação.







quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

3368) "Minority Report" (13.12.2013)






Estive num debate recente sobre o filme Minority Report de Spielberg. Vi esse filme em 2002, quando foi lançado, e depois não tinha visto de novo. Nesta segunda vez o filme passa bem no teste. Na maioria desses filmes com muita ação acontece da gente ver uma cena e perguntar: mas afinal, James Bond ou Vin Diesel ou Tom Cruise está fugindo de quem, agora? O que diabo ele foi fazer naquela casa? Quem diabo é aquele cara que salvou ele? A ação se impõe dramaticamente por uma questão de rapidez e vigor físico, mas às vezes essas coreografias persecutórias estão presas a uma trama baseada no inverossímil-por-conveniência ou no coincidência-a-qualquer-custo.  Em todo caso, é um filme que usa fórmulas mas interfere nelas de modo interessante. MR é um filme de ação convencionalmente perfeito, um bom “whodunit” policial e traz uma premissa FC mais quântica do que parece à primeira vista.

MR pertence ao subgênero narrativa-de-herói-em-fuga, e tem velocidade de HQ em sua narrativa. Como filme de mistério policial, rende homenagens através dos nomes dos três personagens “precogs”, que adivinham o futuro: Agatha (Christie), Dashiell (Hammett) e Arthur (Conan Doyle). Quando uma cena crucial do filme ocorre num flashback em Baltimore, não há como não pensar em Poe. E tem algumas figuras de linguagem caras aos aficionados do mistério, como o criminoso se denunciando ao falar demais, deixando escapar um detalhezinho de informação que afirmara não conhecer. (Sem falar em outras, como o crime-cometido-duas-vezes-para-disfarce, e a entrada-bem-facinha-na-super-sala-de-segurança).

Do conto original o filme herdou a situação paranóica do cara inocente que é perseguido por todos e precisa provar que é inocente, e para isso tem que descobrir quem está querendo mesmo ajudá-lo e quem armou contra ele. É uma paranóia guerra-fria, e no conto é agravada porque o cara não é um atleta e acrobata como Tom Cruise. O herói do conto, Anderton, é um cara gordo, careca, prestes a se aposentar. Ele se sente ameaçado por um cara mais jovem (Witver, Colin Farrell no filme) pois acha que este quer inclusive tomar-lhe a esposa, que também trabalha na polícia. Há um triângulo amoroso-conspiratório simétrico a este em O Vingador do Futuro.

Kubrick era um inquietador de platéias, como Orson Welles ou Buñuel. Silverberg Spielberg é um manipulador de platéias, como Hitchcock ou Chaplin, que como ele são “animais cinematográficos”: pensam em forma de câmara. Inventaram (ou precognizaram) uma importante criação da civilização norte-americana, a ciência do ritmo narrativo, cujo know-how pode se tornar benéfico nas mãos de quem não se limite a ele.


3367) As máquinas mortais (12.12.2013)


(Robert Crumb)

Não são robôs musculosos, schwarzeneggerianos, armados de espingardas-doze. São, é claro, as maquininhas aparentemente benignas que usamos: notebooks, celulares, iPads, desktops, mainframes... Para o documentarista James Barrat, em seu livro Our Final Invention: Artificial Intelligence and the End of the Human Era, está se aproximando aquele momento que alguns escritores de FC chamam A Singularidade, quando as inteligências artificiais criadas pelo homem superarão a inteligência da nossa espécie. Pode ser um upgrade cósmico de integração a uma inteligência universal; mas pode ser o momento em que as máquinas simplesmente tomarão a decisão de nos descartar.

Um artigo de Greg Scoblete (http://bit.ly/1jtH1Yc) avalia com elas nos eliminarão: “Pensem no mundo de hoje. Vírus de computador viajam pelo ar. Nossas casas, carros, aviões, hospitais, refrigeradores, fornos, estão conectados a uma “Internet de objetos” que não cessa de se ampliar valendo-se da banda larga sem fio. Estamos cada vez mais integrando elementos eletrônicos aos nossos corpos. Vamos extrapolar essas tendências para 2040: a Super-Inteligência Artificial surgirá num mundo cada vez mais dependente do virtual, e vulnerável a ele.”

À inevitável pergunta: ”Mas por que essa Super-Inteligência iria querer nos eliminar?” Scoblete responde: “Computadores, como os humanos, precisam de energia. Numa competição por recursos energéticos as máquinas se preocupariam tão pouco em nos conceder acesso a eles quanto nós nos preocupamos com a próxima refeição de uma formiga.”

A preocupação procede, e o livro de James Barrar sugere um cenário interessante para a literatura. Para ele, no momento em que essa Super-Inteligência Artificial for criada, não teremos como controlá-la porque ela terá a tendência a se retroalimentar e aumentar exponencialmente sua própria potência e seu alcance. “O tempo necessário para que ela nos deixe tão minúsculos quanto as formigas pode ser uma questão de dias, se não de simples horas, depois de ser criada. Pior: os cientistas humanos podem nem perceber que criaram essa Super-Inteligência, até ser tarde demais para contê-la”.

E agora digo eu: já a criamos. Ela já existe. Ela já se exprime, numa linguagem digital balbuciante, mas onipresente. Ela produz, com o auxílio inconsciente de funcionários humanos, os programas de TV de hoje, os noticiários de hoje, os filmes de hoje, as crises financeiras de hoje. Para ela, os próximos 50 anos serão os 5 segundos de que precisou para provocar o suicídio coletivo dos ácaros que a criaram e que agora se tornaram desnecessários e incômodos. (Ela permitirá a publicação desta inútil denúncia.)


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

3366) A mãe do Estrangeiro (11.12.2013)



(foto: J. Henri Lartigue)

“Mãe morreu hoje. Ou pode ter sido ontem, sei lá.” É assim que eu traduziria, usando meu estilo pessoal de discurso, o famoso começo do romance O Estrangeiro de Albert Camus. Seria assim que o personagem do livro diria essas frases, se fosse eu. Claro que isso não vale para uma tradução literária, porque esta se destina ao público, e o tradutor não está ali para colocar seu discurso pessoal (sua forma espontânea de usar as palavras) à frente do discurso do personagem, do discurso do autor. Ele está a serviço de ambos.

Uma nova tradução em inglês do romance, de Sandra Smith, provocou discussões interessantes em The Guardian (aqui: http://bit.ly/1d3haBL), em que a tradutora, os jornalistas e os leitores comparam diferentes enunciações dessa frase. Não é uma discussão estéril, porque grande parte do encanto do livro reside na voz distanciada, alienada do narrador Meursault, um cara que se envolve nos acontecimentos como se não os entendesse por completo: a mãe morre, ele mata um homem, é condenado à morte, e o tempo todo descreve aquilo como se não fosse com ele.  Preservar esse tom embotado, não-envolvido, é essencial para o livro, e o tradutor deve se esforçar para mantê-lo.

Smith comenta que a frase original francesa (“Aujourd’hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas.”) tem sido traduzida de modo diferente por cada tradutor. Ela escolheu dizer: “My mother died today”, invertendo a ordem do original. Por que? Diz ela: “No francês, a ênfase vem muitas vezes no final da frase, quando em inglês é no começo. Achei que dizer ‘Today my mother died’ soaria meio desajeitado e não teria o mesmo peso.”  Smith também comenta as diferentes nuances que a palavra “mãe” tem em cada língua: “Escolhi “minha mãe” porque pensei em como uma pessoa contaria a outra que a mãe tinha morrido.  Meursault está falando diretamente ao leitor. (...) No resto do livro, usei “mama” porque soa como o “maman”, e também porque eu tinha consciência de que uma audiência britânica preferiria “Mum” e leitores americanos diriam “Mom”, e eu precisava de algo que funcionasse dos dois lados do Atlântico”.

São nuances de tratamento que entre nós se manifestam: mamãe, mãinha, mãe, minha mãe... Formas diretas de tratamento ou formas indiretas de referência que denunciam graus diferentes de intimidade, e mesmo origens geográficas. Tudo isto com uma frasezinha de nada, mas crucial para estabelecer um tom, uma voz narrativa, um personagem que se define pelo modo como escolhe (conscientemente ou não) falar. Não existe frase fácil. A que parece mais fácil é a mais traiçoeira. Em tradução, the book is never on the table.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

3365) A verdadeira cruz (10.12.2013)




Depois de muito foi-não-foi e muita enrolação, Seu Juca jogou a toalha e cumpriu a promessa de levar Dona Eunice para conhecer a Terra Santa. 

Foram os dois, e pense numa felicidade. Em Jerusalém conheceram os Passos da Cruz, o Santo Sepulcro, a Tumba de Davi. Seu Juca, respeitoso, tirava o chapéu vinte vezes por dia, e Dona Eunice se sentia a cada passo uma figurante da Bíblia.

Uma tarde, ao saírem do restaurante, foram abordados por um cavalheiro de terno com uma pasta de couro, que os saudou respeitosamente e perguntou: “Are you English?...” Seu Juca, lisonjeado, passou a mão pelo bigode e explicou em seu próprio inglês que eram de Campina Grande. 

O homem apertou a mão de ambos, sorridente, falou, gesticulou, e D. Eunice reparou que ele tinha um crucifixo ao pescoço e base nas unhas. O porteiro do restaurante começou a pedir que ele se afastasse mas Seu Juca o deteve com um gesto britânico. O homem abriu a pasta, tirou de dentro uma linda caixinha de madeira que abriu com cuidado e disse, devagar: 

– This is a piece of the Holy Cross. 

Seu Juca traduziu e D. Eunice arregalou os olhos.

Era um pedacinho de madeira, escuro, carcomido, do tamanho de um dominó. 

– A verdadeira cruz?! A de Cristo?! 

O homem assentiu e contou uma longa história da qual Seu Juca deduziu que ele descendia de um dos centuriões que vigiaram o Gólgota. 

– Será que é milagrosa? – murmurou D. Eunice, já fazendo planos. 

O homem sorriu com dentes de ouro e disse: 

– The miracle is in your heart, Madame. 

Num impulso, ela ousou perguntar: 

– Quanto quer por ela? 

O homem fechou a caixa, suspirou, falou uma algaravia difusa sobre uma esposa leucêmica e finalizou: 

– Fifty dollars.

Na voz de dólar Seu Juca sofreu um sobressalto atávico, e pela primeira vez notou que o terno do outro era cerzido, mas teve que explicar à esposa que não era quinze, era cinquenta, e já era tarde, D. Eunice tinha aberto a bolsa e puxado uma notona de cinquenta de um putufu que trazia dentro dela. Estava tão ansiosa que conseguiu entregar a nota com uma mão, pegar a caixinha com a outra e (aparentemente) afastar com a terceira o porteiro do restaurante, que fazia gestos de “aqui, não!”. 

O homem agradeceu, fez menção de beijar-lhe a mão, ela ofereceu a que não segurava a bolsa; com uma saudação meio árabe ele os cumprimentou e sumiu na multidão. Seu Juca disse: 

– Nega, enrolaram a gente. 

Ela disse: 

– Tás por fora, essa caixinha aqui é de cedro-do-Líbano, lá no Shopping de Campina vi uma por 300 reais. E esse cavaco véi parece pedaço de cruz, quer apostar que eu mostro essa butina a Tia Teresa e troco por aquele notebook que ela não sabe usar?!  







domingo, 8 de dezembro de 2013

3364) Gronk (8.12.2013)





(by Raziel)
 
No meio de um sono inquieto, Váldson se vira, e naquele breve instante percebe um peso ao seu lado, e vê que Gronk subiu na cama mais uma vez. Não acredito, pensa ele, só me faltava essa. Suspira com resignação e estendendo o braço bate com os nós dos dedos na carapaça do outro. “Gronk, levanta daí, vai, acorda,”, diz ele. Gronk resmunga como quem finge estar dormindo, mas o resmungo foi pronto demais, está na cara que estava acordadíssimo. “Vai, vai, já falei que não é pra vir pra minha cama”, insiste Váldson. “É só um pouquinho,” murmura Gronk, fingindo voz de sono, “lá fora está frio”. “Frio coisa nenhuma,” rebate Váldson, “vai pro seu canto, isto aqui não é seu lugar.” “Deixa eu ficar, só hoje,” o outro pede. “Não, não. Desce senão eu vou buscar o spray.” “Calma, calma,” protesta Gronk, mexendo-se, transferindo-se pouco a pouco para o chão, “sem violência, onde já se viu”. Arrasta-se para fora do quarto. Váldson está cansado demais para trocar o lençol, limita-se a tirar a camiseta e bater no lençol, jogando para o chão as escamas, a areia.
Deita-se, põe um dos travesseiros sobre os olhos, mas quando está quase adormecendo começa a ouvir um ruído metálico, ritmado, irritante. Tenta se concentrar no sono mas o ruído insiste, fica mais forte. Ele pula da cama, desesperado. Gronk está deitado no chão do corredor, e com as garras dos pés está descascando a porta do armariozinho. “Mas o que é isso agora?!” “Eu falei que estou com frio.” “Com frio num calor desse? E precisa estragar a porta do armário?!” “Opa, nem vi. Minhas pernas estão tremendo de frio.” “Já pra área de serviço! Agora! Senão, já sabe!” “Você não passa de um burguês, um ditadorzinho que quer demonstrar poder em cima dum animal de estimação.” “Você nem é animal nem de estimação, você é um castigo que eu recebi. Não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei essa coisa na minha casa. Cai fora, vai!” 
 
Gronk volta a se arrastar, a cauda coriácea abanando para um lado e para outro,  batendo nos móveis enquanto ele cruza a cozinha e vai para a área de serviço. Váldson vai lá, olha: latas de conserva dilaceradas, pães roídos pela metade, livros jogados de qualquer jeito, se amassando. Gronk deixa o enorme corpo anelídeo tombar no colchonete e com as pinças agarra um volume de Douglas Hofstadter. “Se for pra lá de novo, já sabe, spray de álcool!” avisa Váldson, afastando-se. O outro resmunga: “Espero que seu filho esteja sendo bem tratado no meu planeta, melhor do que eu aqui.” “Dorme, e não enche o saco.” Váldson vai se deitar.
 
Faltam duas semanas para acabar o período do intercâmbio escolar, e ele não bota muita fé no futuro pacífico da Galáxia.