quarta-feira, 12 de junho de 2013

3210) A Tragédia dos Tronos (12.6.2013)




A série Game of Thrones pôs no ar recentemente o episódio “The Rains of Castamere”, que produziu um choque considerável no público. Sem revelar muitos detalhes, posso dizer que o episódio mostrou a morte violenta, em circunstâncias especialmente cruéis, de personagens muito queridos pelo público. Perdi a conta dos twitters e dos posts que vi, de pessoas reclamando em altas vozes (e muita gente chorando, com sinceridade) a morte dos personagens.  E uma queixa se repetia, em cada voz, em cada nome: “Odeio você, George R. R. Martin... Nunca mais quero assistir essa série de novo...”

E no entanto tenho certeza de que quase todos voltarão a assistir essa série que já matou outros personagens queridos e que a esta altura já deixou claro, mesmo para o mais obtuso dos espectadores, que vai matar muitos mais. Porque uma coisa de que mesmo o espetáculo popularesco não pode abrir mão é a tragédia. Por que motivo as platéias de Shakespeare gostavam tanto daquelas histórias onde nada dava certo, onde pessoas boas morriam mortes cruéis, onde namorados simpáticos por quem todo mundo torcia acabavam se matando por causa de um mal entendido?  Por que aquelas platéias rudes e ignorantes de meio milênio atrás voltavam para casa satisfeitas, após uma catarse tão deprê?  Que tipo de diversão é esse?

Disse o autor de A Song of Ice and Fire (o ciclo dos romances em que se baseia Game of Thrones): “As pessoas lêem livros por motivos diferentes. Alguns lêem para o seu conforto. E alguns dos meus ex-leitores disseram que sua vida é dura, a mãe está doente, o cachorro morreu, e eles lêem ficção para fugir. Não querem ser atingidos na boca por algo horrível. Quando se lê um certo tipo de ficção, onde o cara vai sempre ficar com a garota e os mocinhos vencem no fim, isso reafirma a você que a vida é justa. (...) Mas isso não é o tipo de ficção que eu escrevo, na maioria dos casos. Certamente não é o que ‘Ice and Fire’ é, que tenta ser mais realista sobre o que é a vida. Ele tem alegria, mas também tem dor e medo. Acho que a melhor ficção captura a vida em todas as suas luzes e trevas”.

Uma das funções da tragédia é restituir à arte a possibilidade de parecer com a vida. Sem os finais trágicos de uns filmes, os finais felizes dos outros se diluiriam entre si, numa só névoa de perfume barato. A tragédia de Romeu e Julieta precisa estar sempre visível no horizonte, para que cada filmezinho de amor com Hugh Grant e Julia Roberts possa ter seu final feliz, aquele final que nos garante que, daquela vez, a vida real ficou do lado de fora e não pôde entrar. A vida real que é sinônimo da inevitabilidade da morte.