Carlos Alberto Parreira, nosso incompreendido técnico campeão do mundo em 1994, deu uma entrevista certa vez e os jornalistas se queixaram de que a Seleção tinha jogado bem mas não fizera gols. Ele retrucou: “Não ter feito o gol foi uma questão de detalhe.”
Ele queria dizer que muitas vezes, embora a jogada saia toda certa, o gol deixa de ser feito porque o pé bate mal na bola, ou porque o pé-de-apoio escorrega, ou porque o chute sai fraco – ou seja, por pequenos detalhes cujo controle foge ao técnico.
Bastou isso para a imprensa ficar repetindo, como repete até hoje, que Parreira teria dito: “O gol não tem importância, é um mero detalhe.”
Isto me lembra uma frase que ouço há anos: “O Diabo está nos detalhes.” Só que também escuto o reverso desta frase: “Deus está nos detalhes”. “Que coisa curiosa,” fiquei matutando, “toda vez que um desses caras aparece o outro está junto!”
O que é mais do que natural. Se você é religioso, se acredita em Deus (nosso Deus ocidental), acredita também na existência do Diabo. Se não acredita num, também não acredita no outro. Mas, qual a frase original?
Fiz uma rápida busca na Internet, e fui informado de que a frase “Le bon Dieu est dans le detail” é atribuída a Gustave Flaubert, mas também há quem dê como seu autor o artista Michelangelo, os arquitetos Mies van der Rohe e Le Corbusier, e o historiador de arte Aby Warburg (estes 3 últimos podem muito bem ter lido em Flaubert).
A coluna “Word Court” de Barbara Wallraff, em “The Guardian”, também cita o uso da frase por Albert Einstein, Friedrich Nietzsche, Ronald Reagan e Ross Perot.
Acho que ocorre neste caso um fenômeno muito comum com as “frases célebres”: a gente ouve Fulano de Tal dizendo e passa a atribuir o dito a esse Fulano, sem que nos passe pela cabeça que o Fulano poderia perfeitamente estar citando alguém. Parece que uma frase só é famosa pra valer quando é atribuída a diferentes pessoas famosas.
A intenção dessa frase é clara: muitas vezes é nos pequenos detalhes que fazemos escolhas cruciais, que definem o sucesso ou o fracasso de nossa empreitada. Projetos gigantescos podem ir por água abaixo caso não se dê a devida atenção a uma bobagenzinha qualquer.
Um bom exemplo disto são as duas catástrofes ocorridas com os ônibus espaciais norte-americanos, o Challenger e o Columbia: ambos explodiram por causa de defeitos técnicos em pequenas peças que, ao serem submetidas às tremendas pressões de um vôo, não resistiram.
Já citei nesta coluna a frase de Conan Doyle, “nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”.
Em certos tipos de estrutura, todos os elementos, mesmo os menores, têm o mesmo grau de responsabilidade. Se um deles se romper, de nada adiantou a solidez e a resistência de todos os outros. Em cada um deles está se decidindo, a cada instante, a luta entre a vida e a morte, a sorte e o azar, Deus e o Diabo.