quarta-feira, 10 de setembro de 2014

3600) Filosofias populares (10.9.2014)



Serei eu o último cara que lembra dessas coisas? Não, porque a maioria dos que conheço são até mais novos do que eu.  Havia uma cachaça chamada Praianinha que tinha um ótimo jingle. Vejam o que é nossa civilização – eu não tinha idade para tomar cachaça, mas já era exposto a ouvir jingles.  Uma pequena obra-prima que vou transcrever: “Se meu time ganhar / Praianinha vou tomar, para comemorar; / mas se meu time perder / Praianinha vou beber, para esquecer... / Praianinha na tristeza, Praianinha na alegria / Praianinha toda hora, Praianinha todo dia... (E se meu time ganhar...)”

Em matéria de equilíbrio dá um Descartes, e em matéria de saber viver dá dez Omar Khayam.  Feliz é o povo que tem suas praianinhas, de todas as naturezas, para atiçar o prazer e amortizar a dor.  (Admito que a leitura conspiratório-marxista, de que o slogan evidencia a onipresença da subliminaridade comercial, nos momentos em que o consumidor está mais emotivo e fragilizado, tem lá seus argumentos.)  Não me surpreenderia que um jingle assim fosse de Rosil Cavalcanti, de Luiz Queiroga, de Lamartine Babo (a música é meio um sambinha), de Luiz Bandeira.

Beber para lembrar, beber para ajudar a perder... A bebida e a comida podem até ser qualquer uma, porque a fantasia de quem precisa beber e precisa comer é infinita. Baudelaire chamou as drogas de paraísos artificiais, mas hoje elas são muito mais “analgésicos hilariantes”. Elas apagam de mentira a dor, e nos obrigam a sorrir. Assim é a cerveja, para dar só um exemplo, e que Deus abençoe, em sua infinita capacidade diplomática, quem a traz até a nossa porta.

Praianinha deveria ter saído em duas embalagens. A da derrota, “batizada” com um estimulante. A da vitória, com um relaxativo. A sabedoria não está só na simetria, mas no equilíbrio dinâmico. Quando algo chega ao seu extremo, a tendência é voltar.  Lei da Natureza, ou sabedoria chinesa?  Tanto faz, assim como tanto faz saber quem foi o primeiro enunciador da frase “dois mais dois são quatro”.  Faz diferença o autor?  Basta ser verdade.

Para os escritores a bebida foi a pólvora do escândalo (Edgar Poe), foi o anestesiamento compulsório (Raymond Chandler), o combustível da fogueira (Bukowski, Faulkner, Dylan Thomas, Lima Barreto), uma maneira agradável de se impedir de pensar. Não bebiam porque eram infelizes. Se se fizer uma lista, alguns dos mais felizes eram os que bebiam mais. A bebida (e olha, estamos aqui nivelando o vinho, o uísque, a vodka, o chope e a cana de cabeça) desabrocha de maneira diferente em cada pessoa. Algumas vezes de maneira trágica, claro, mas qual é a vida que não roça na tragédia de vez em quando?