Philip K. Dick não foi apenas um grande autor de ficção
científica, foi um dos grandes psicografistas do inconsciente coletivo dos EUA
no tempo da Guerra Fria. Quando leio relatos históricos daquele tempo (que
tinha como pano-de-fundo a Cortina de Ferro, a ameaça nuclear, a guerra de
espionagem Oriente/Ocidente, a propaganda feroz de parte a parte) me sinto
dentro de um romance de Dick. Agora mesmo, lendo um artigo sobre o espião duplo
Kim Philby (o inglês que passou anos espionando para a URSS) fiquei imaginando
como Dick o usaria num romance. (Não usou: quem usou foi Tim Powers, em Declare, de 2001, numa trama de horror cósmico.) Seria algo parecido com seu livro O Homem
Duplo (A Scanner Darkly), em que um agente da polícia passa meses investigando
um viciado em drogas – e os dois são a mesma pessoa.
As paranóias de traição dos personagens de Dick têm três
focos principais: 1) a esposa (seus protagonistas são quase invariavelmente
masculinos, num casal em crise); 2) os colegas de trabalho; 3) o Governo. Esses três círculos de convivência são uma
fonte interminável de inquietação e desconfiança. O protagonista está sempre
disposto a crer e a não crer. A possibilidade de estar sendo traído, iludido,
investigado ou manipulado de alguma forma nunca se dissipa de sua mente. O
personagem dickiano típico , por mais comum que seja, é sempre um sujeito
inquisitivo, dado a teorizações, que está o tempo todo tecendo configurações e
cenários paranóicos para explicar o que acontece ao seu redor.
Essas paranóias são tão vívidas e convincentes porque
Dick era assim mesmo. Achava que estava sendo investigado, que o FBI lia sua correspondência
e que arrombou sua casa certa vez. Ao se corresponder com o autor polonês
Stanislaw Lem, que era seu fã (e chegava a dizer que Dick era o único autor da
FC americana que merecia ser lido), acabou denunciando-o como agente da KGB, o
que trouxe sérios problemas políticos para Lem e o deixou furioso.