quinta-feira, 30 de agosto de 2012

2963) Ser frila (30.8.2012)




(Stefan Karpiniec)



Ser frila é ser livre, leve e solto como um náufrago à sombra do coqueiro solitário de uma ilha deserta de cartum. 

Ser frila é estar sem trabalho e sem dinheiro e passar o dia vendo TV ao lado do telefone, porque é por lá que geralmente vêm as boas notícias, mas com o computador aberto na caixa de emails, que também proporciona aleluias.

“Free-lancer” é (para os despeitados) um simples eufemismo para “desemprego reiterativo”. 

Ser frila é viver ligando para colegas, não-colegas, ex-colegas, semi-desafetos,  ex-namoradas, quase-namoradas e completos desconhecidos com a pergunta “E aí, tá rolando algum lance, algum trabalho novo?... Qualquer coisa me dá um toque!”. 

Ser frila é pisar no abstrato, nadar no sólido, respirar no vácuo, acreditar no improvável e se alimentar do possível. 

Ser frila é ter uma vida regida pelo Acaso e por decisões alheias, e se dar por satisfeito, porque tem gente que nem isso tem a seu favor.

Ser frila é pegar um trabalho em janeiro, terminá-lo em fevereiro (só receber em julho), passar março roendo as unhas e reduzindo a feira, pegar outro serviço em abril com perspectivas de um semestre, receber em junho a má notícia do cancelamento, mas meia dúzia de trampos de pouca monta já zeraram o déficit do orçamento, e ainda bem que em julho surgem dois ao mesmo tempo, aos quais é prometida dedicação exclusiva e tempo integral (porque sem essas bigamias trabalhistas ninguém escapa!), e daí até agosto é o malabarismo de cumprir prazos e pedir compreensão; em setembro caem do céu duas propostas irrecusáveis e incompatíveis, e o frila tem vontade de morrer por ser obrigado a recusar uma das duas; mas em outubro o orçamento retorna ao azul, os juros do cheque especial se evaporam, a grana vem polpuda, novembro é um mês de orgias e esbórnias (nas livrarias e sebos, bem entendido), e quando chega em dezembro é preciso raspar o fundo do tacho para a catástrofe das Festas.  

Ser frila é abrir uma cerveja diante das girândolas do reveion e pensar consigo: “No fim das contas, foi um ano produtivo!”.

Ser frila é ser amigo de funcionários que têm contracheque pingando na conta no último dia útil do mês, têm estabilidade (são concursados, o governo só pode demiti-los em caso de infração grave), vão todos os dias pelo mesmo trajeto ao mesmo edifício, sobem para o mesmo andar, sentam à mesma mesa e manuseiam os papéis da véspera; trabalham de olho na aposentadoria, quando daquela rotina sobreviverá apenas o contracheque, enquanto fazem a contagem regressiva para o dia em que se aposentarão: “Faltam 3.518 dias... faltam 3.517... faltam 3.516...”  

Ser frila (para o bem e para o mal) é o contrário disto.