domingo, 26 de maio de 2013

3196) Escrever às cegas (26.5.2013)






Não se deve tentar fazer literatura utilizando apenas a metade racional do cérebro. (O cérebro tem uma metade racional?  Tô maluco. Pode abater pra 20%.)  

Eu me acho um sujeito razoavelmente racional, tudo meu é pensado, é planejado antes de ser colocado no papel.  Muitas vezes, redigindo um artigo ou escrevendo um conto, eu penso: “Aqui, tenho que botar mais tarde um adjetivo, ou um verbo, mas tem que ter 3 sílabas”. Quem pensa que contagem de sílabas só existe em poesia não sabe da missa um terço. 

Alguns contos meus foram “escaletados” (situação básica + personagens + ambiente + evolução até o desfecho) e depois foram ruminados durante 10 ou 12 anos, até que pensei: “Chega, vou escrever logo isso antes que comece a se desmanchar”.  Porque muitos, muitos mesmos, a grande maioria, se desmancharam antes de chegar ao papel.

O que não impede que no mesmo escritor, eu ou qualquer outro, convivam técnicas diferentes para textos específicos. 

Escrever é um pouco como jogar futebol. Por mais que você planeje, a maioria das coisas vai ter que ser improvisada, porque do lado oposto há um Adversário com quem é impossível combinar as coisas com antecedência. (Lembrem-se de Garrincha, antes de Brasil x Rússia, perguntando ao técnico que explicou como a Seleção iria jogar: “Mas já combinaram com os russos?”).  

No caso da escrita, o Jogador Adversário é o Inconsciente, a mente que é ativada pelo ato físico de escrever, de imaginar ativamente falas, gestos, ações, cenas inteiras. Por isso é bom planejar. Porque planejar é criar as regras do jogo, mesmo que seja para desobedecê-las. 

E ninguém desobedece o tempo todo; uma grande parte do que se planeja acaba acontecendo. Não se pode determinar tudo com antecedência; e também não se pode esperar que o engalfinhamento improvisado com o inconsciente resolva todos os problemas, produza todos os efeitos.

Keith Ridgway, que não sei quem é, comentou, num artigo no The New Yorker: http://nyr.kr/RqA8sO): 

“Todas as decisões que eu aparentemente tomei, sobre enredo, personagens, onde começar, onde parar, na verdade não foram decisões. Foram soluções conciliatórias. Um livro é algo esculpido num bloco de esperança, e quando começo a cortar meus dedos eu o afasto para longe, para tentar descobrir como é que os outros o veem. E espero, com terror, o julgamento dos outros, julgamento que me parece injusto, seja positivo ou negativo, porque estão julgando algo que na realidade eu não fiz. Estão julgando algo que me aconteceu. É como sair me arrastando de dentro do carro após um acidente na estrada e ser saudado por um corpo de jurados erguendo painéis com suas notas de avaliação.”