Nesta segunda-feira, dia 16 de junho, centenas de milhares de pessoas se reúnem em cidades do mundo inteiro para cumprir um ritual. Elas se encontram em auditórios, residências, academias, faculdades, mas principalmente em bares onde, numa noitada regada a muita cerveja (de preferência a irlandesa Guiness), comemoram o dia em que um casal começou um namoro.
O dia foi 16 de junho de 1904, e o local era Dublin. O rapaz chamava-se James, e estava num momento complicado em sua vida; a mãe tinha morrido, deixando nove filhos para criar. Seu pai estava endividado até o pescoço, e ele morava num quarto alugado onde praticava piano e canto (tinha uma bela voz), e escrevia um gigantesco romance autobiográfico.
Tímido, cheio de fantasias sexuais e perseguido pelo moralismo cristão, James era do tipo que nunca arranja namorada.
No dia 10 de junho ele tinha visto na rua uma jovem alta, de cabelo castanho-avermelhado, que caminhava com passos decididos. Puxou conversa com ela, e percebeu que, mesmo longe de ser uma intelectual, ela era inteligente e bem-humorada. Marcaram um encontro, que ocorreu no dia 16.
O que aconteceu entre os dois nesse dia não é da nossa conta, mas foi o bastante para que James Joyce escolhesse a data de 16 de junho como o dia descrito em seu maior livro, o Ulisses. Neste romance enorme (as edições atuais variam entre 680 e 1100 páginas, dependendo do formato) ele narra um único dia na vida de um judeu dublinense, Leopold Bloom, numa linguagem tão cheia de realismo e de inovações que o livro virou para muitos a obra literária mais importante do século 20.
Os joyceanos reúnem-se todo 16 de junho para celebrar o “Dia de Bloom”, o dia descrito por Joyce, em seu livro, com esmagadora imaginação verbal; e por tabela estão celebrando o dia em que Joyce, aos 22 anos, apaixonou-se por Nora Barnacle, a mulher que o acompanhou até a morte dele em 1941.
Nora era uma flor do Lácio: inculta e bela. Nunca entendeu os livros do marido, mas apenas se queixava às vezes de que ele dificultava as coisas para si próprio, escrevendo de um jeito tão estranho.
Muito da sua personalidade foi transposto para a mulher de Bloom, Molly, a quem cabe o monólogo final do livro, dezenas de páginas de tirar o fôlego.
Hoje, Joyce foi seqüestrado pelo saber acadêmico, e seus livros são monumentos cercados de tantas explicações e exegeses que não se consegue chegar até eles. É um erro. Joyce era um gênio meio ingênuo meio erudito, como Hermeto Paschoal. Sua obra mistura o popular e o sofisticado, o obsceno e o lírico, o vanguardista e o labacé, a transcendência mística e a esculhambação de botequim.
Nas comemorações do “Bloomsday”, seus admiradores lêem trechos do Ulisses, cantam baladas folclóricas irlandesas, promovem conferências, bebem cerveja. Celebram as coisas boas da vida, coisas que foram amadas por Joyce: música, literatura, sexo, bebida, gréia. Existe algo mais afora isso?
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