terça-feira, 24 de agosto de 2021

4737) Jorge Luís Borges, 122 anos (24.8.2021)




Neste 24 de agosto, o escritor argentino estaria completando 122 anos. Em datas assim eu de vez em quando faço um ping-pong de textos do autor, usando suas obras mais conhecidas. Desta vez, resolvi usar apenas citações de um dos seus livros da velhice, O Livro de Areia (1975), que inclui “Utopia de um Homem que está Cansado”, concorrente ao Prêmio Nebula de Ficção Científica, naquele ano. Cito da tradução de Lígia Morrone Averbuck.



“O número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última. Não sei por que estão numeradas desse modo arbitrário. Talvez para dar a entender que os termos de uma série infinita admitem qualquer número.
Depois, como se pensasse em voz alta:
– Se o espaço é infinito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos em qualquer ponto do tempo.”
(“O Livro de Areia”)


“Em meu curioso ontem – respondi – prevalecia a superstição de que entre cada tarde e cada manhã ocorrem fatos que é uma vergonha ignorar. O planeta estava povoado de espectros coletivos, o Canadá, o Brasil, o Congo Suíço e o Mercado Comum.”
(“Utopia de um Homem que está Cansado”)


 
“Para ver uma coisa é preciso compreendê-la. A poltrona pressupõe o corpo humano, suas articulações e partes; as tesouras, o ato de cortar. Que dizer de uma lâmpada ou de um veículo? O selvagem não pode perceber a bíblia do missionário; o passageiro do navio não vê o mesmo cordame que os homens de bordo. Se víssemos realmente o universo, talvez o entendêssemos”.
(“There Are More Things”)


“Éramos poucos e ela estava de costas. Alguém lhe ofereceu uma bebida e ela recusou.
– Sou feminista – disse. – Não quero arremedar os homens. Desagradam-me seu tabaco e seu álcool.
A frase queria ser engenhosa e adivinhei que não era a primeira vez que a pronunciava. Soube depois que a frase não era característica sua, mas o que dizemos nem sempre se parece conosco.”
(“Ulrica”)


“Salvo nas severas páginas da história, os fatos memoráveis prescindem de palavras memoráveis. Um homem a ponto de morrer quer se lembrar de uma gravura entrevista na infância; os soldados que estão por entrar na batalha falam do barro e do sargento.”
(“O Outro”)


“Nos anos de minha juventude – disse o Rei – naveguei em direção ao ocaso. Em uma ilha, vi lebréus de prata que davam morte a javalis de ouro. Em outra, alimentamo-nos com a fragrância de maçãs mágicas. Em outra, vi muralhas de fogo. Na mais distante de todas, um rio abobadado e pendente sulcava o céu e por suas águas iam peixes e barcos.”
(“O Espelho e a Máscara”)

 
“ – E a grande aventura de meu tempo, as viagens espaciais? – disse eu.
– Já faz séculos que renunciamos a essas translações, que foram certamente admiráveis. Nunca pudemos nos evadir de um aqui e um agora.
Com um sorriso acrescentou:
– Além disso, toda viagem é espacial. Ir de um planeta a outro é como ir à granja em frente. Quando o senhor entrou neste quarto, estava realizando uma viagem espacial.
– Assim é – repliquei. – Também se falava de substâncias químicas e de animais zoológicos.”
(“Utopia de um Homem que está Cansado”)


 “Não há um só lugarejo na província que não seja idêntico aos outros, até no acreditar-se diferente. As mesmas ruelas de terra batida, os mesmos becos, as mesmas casas baixas, como para que um homem a cavalo ganhe mais importância.”
(“A Noite das Dádivas”)


“Estava ébrio de vitória. Inundaram-nos sua firmeza e sua fé. Ninguém nem por um segundo pensou que estivesse louco.”
(“O Congresso”)
 


“Sobreveio depois um longo silêncio.
– Que te deu a primeira mulher que tiveste? – perguntou-me.
– Tudo – respondi.
– A mim também a vida me deu tudo. A todos a vida dá tudo, mas a maioria o ignora. Minha voz está cansada e meus dedos débeis, mas escuta.
Disse a palavra Undr, que quer dizer maravilha.”
(“Undr”)