terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

3413) Bowie e Burroughs (4.2.2014)





(foto: Terry O'Neill)


Em 1974, a revista Rolling Stone publicou um bate-papo entre o roqueiro David Bowie e o escritor William Burroughs, ocorrido no ano anterior, através do repórter Craig Copetas.  

Bowie estava no primeiro auge de sua carreira (que teve vários), após o lançamento do álbum Ziggy Stardust; Burroughs, já famoso por livros como Naked Lunch e Nova Express, estava superando uma das suas muitas fases de pindaíba, bebendo muito, escrevendo pouco. 

Os dois se conheciam mais de fama do que de obra. Bowie tinha lido Nova Express, Burroughs conhecia duas canções do outro (“Five Years”, “Starman”) mas tinha lido todas as suas letras. (A entrevista completa aqui, em português: http://bit.ly/1b88FE0, e no original: http://bit.ly/1lmyolJ). 

Bowie disse: 

Nova Express me fez lembrar de Ziggy Stardust, que pretendo transformar numa performance teatral. São 40 cenas, e seria legal que os atores aprendem todas elas de modo a que a gente pudesse misturá-las num chapéu, à tarde, e determinar a ordem em que seriam encenadas à noite. Peguei essa idéia de você, Bill... a de que tudo poderia ser diferente a cada noite.” 

Burroughs foi um defensor de numerosas técnicas para fazer o acaso interferir na criação e/ou apresentação de uma obra de arte, inclusive na literatura.

Falando do aspecto ficção científica do show, Bowie comentou a dificuldade de conseguir efeitos especiais para reproduzir um “buraco negro” no palco, e Burroughs comentou: 

“Sim, um buraco negro no palco daria uma despesa astronômica. E seria uma performance contínua, engolindo primeiro Shaftesbury Avenue, e depois o resto.”  

A FC e a arte de vanguarda eram dois territórios em comum entre artistas tão diferentes; foram também as interfaces que depois levaram Burroughs a trabalhar junto com roqueiras como Patti Smith e Laurie Anderson.

Bowie comentou, sobre novas mídias de então: 

“A próxima coisa é o videotape, e depois serão os hologramas. Nesse ínterim, vão ser criadas bibliotecas inteiras de videocassetes. Você não consegue gravar tudo que passa de interessante na sua TV. Eu quero poder escolher minha própria programação. É preciso criar software para isso. (...) A mídia ou é nossa salvação ou nossa morte. Prefiro achar que é salvação.”

Essa “terra de todos” que envolve rock/jazz, FC, arte de vanguarda, novas mídias e novas tecnologias é a origem de algumas das coisas mais interessantes que temos hoje. 

Pessoas como Burroughs e Bowie estavam no início desse processo, e a presença ubíqua de ambos na Web é uma mostra dessa afinidade de espírito.  Ele reúne o lado mais intelectualmente inquieto do rock, o lado mais lúdico da vanguarda e o lado mais aqui-e-agora da FC.