sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

3749) "The Black Room" (28.2.2015)



Colin Wilson, escritor existencialista britânico, propôs o conceito de “outsider” para designar o indivíduo inquieto, rebelde, movido por uma intensa busca de sentido na vida, e que tanto pode derivar para a grande arte quanto para o crime.  Muitos livros seus têm como centro personagens que realizam essa busca.  Neste romance de 1971, a história acompanha o compositor erudito Christopher “Kit” Butler, que aceita, meio na esportiva, o convite de um amigo que faz parte do Serviço Secreto britânico, o MI5, para participar de uma experiência científica como cobaia altamente qualificada.  A experiência, realizada numa espécie de hotel-com-laboratório num lugar remoto, consiste em submeter-se durante dias à experiência da total privação dos sentidos da visão e (tanto quanto possível) da audição.  O objetivo é medir o grau de resistência ao tédio e ao isolamento, para seleção e treinamento futuro de espiões.

Butler é o porta-voz das teorias de Wilson, e discute com os cientistas e as outras cobaias sobre energia mental, concentração, autocontrole emocional, etc.  Ao mesmo tempo, ele percebe que outras agências, como a CIA, a KGB e uma misteriosa “Estação X”, espionam as pesquisas dos ingleses.  Na segunda parte do livro, Butler, já aprovado, está em Praga numa missão um tanto inócua mas arriscada. É sequestrado e depois de algumas aventuras violentas vai parar na sede da misteriosa Estação X, onde se defronta com um chefe cheio de teorias próprias sobre o assunto.

Em matéria de escritor popular, conheço poucos como Colin Wilson capazes de encadear uma discussão filosófica e psicológica superficial, mas que faz sentido, com aventuras e um senso de realidade satisfatório.  Os seus romances policiais são bem melhores que sua ficção científica, e The Black Room lembra um pouco aquelas histórias de espionagem cheias de traições, subentendidos e reviravoltas, tipo John Le Carré.  O único defeito do livro, se é que é defeito e não um corte ousadíssimo, é que ele não acaba, interrompe-se bruscamente.  Há um desfecho em vista, mas precisaria de mais 20 ou 30 páginas para dar-lhe alguma conclusão satisfatória numa situação política tão complicada, embora haja algumas alusões interessantes à política européia de 1968. 

Pode-se dizer de Wilson o que já foi dito de Philip K. Dick: que a leitura de sua obra pode começar com qualquer título, porque sua visão do mundo está inteira em cada um, e cada um conduz aos demais como se todos fossem continuação de todos. A fé infatigável de Wilson nos poderes da mente humana perpassa sua filosofia, seus romances populares, suas antologias, sua obra sobre crimes e sobre ocultismo.







3748) Livros ilustrados (27.2.2015)



(ilustração de Poty para O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho)


O pesquisador João Antonio Buhrer postou no Facebook imagens de livros ilustrados pelo curitibano Poty. Obras de Campos de Carvalho, Guimarães Rosa, Jorge Amado e muitos outros.  

Houve um tempo em que era uma prática corrente em nosso mercado editorial lançar romances ilustrados.  Nosso conterrâneo Santa Rosa produziu ilustrações extraordinárias para obras de José Lins do Rego, Graciliano, Drummond e Jorge Amado. 

Hoje em dia, isso parece que acabou.  Se pegarmos ao acaso 100 romances (ou livros de contos) brasileiros lançados ano passado, de diferentes editoras, quantos deles terão ilustrações internas?

A ilustração encarece o livro? Não acho. Por outro lado, tem editora encarecendo livros ao imprimi-los, pretensiosamente, em papel cuchê, papel brilhante de todo tipo.  Olhe, é um absurdo imprimir em papel brilhante um livro para ser lido. A gente tem que ficar procurando um ângulo que não reflita a luz em nossos olhos  Papel de livro tem que ser fosco. Ponto final.  

E um romance ilustrado não precisa de papel de gramatura alta ou com brilho. Livro de arte, livro de fotografia, tudo bem.  Mas um livro onde o foco é no texto e a ilustração é complemento, essa ostentação não é necessária. Em geral, ilustrações como as de Poty ficam com seu valor estético intacto em qualquer tipo de papel.

Dizem que “livro ilustrado é livro para crianças”.  Já vi leitores metidos a sofisticados dizendo do livro de alguém: “O livro é cheio de figurinhas, até parece que é pra leitor analfabeto”. 

A verdade é que existem analfabetos da escrita e analfabetos da imagem. Um leitor desse tipo não sabe o que está perdendo, e talvez não saiba nem o que está ganhando.

Idealmente (cada caso é um caso, sempre) um livro ilustrado deveria pagar “luvas” ao ilustrador pela execução da encomenda (toda obra encomendada tem que ter uma paga extra, fora o recolhimento de direitos autorais), e uma percentagem do preço de capa, tal como o autor recebe.  As fórmulas são muitas, e devem ser conversadas em cada trabalho. 

Alguns livros pagam um preço fixo ao ilustrador, e tchau. Outros pagam uma percentagem a ele, sem mexer nos 10% do autor (o mínimo que um autor deve receber). Em outros casos, a percentagem do ilustrador é diminuída da do autor, este ficando com 9% e o ilustrador com 1%. Também há divisões de 5% para cada, quando a proporção do volume de material criado por cada um seja essa. 

A ilustração não está ali para explicar o livro, para torná-lo mais fácil de entender, e sim para tornar o livro mais complexo, mais rico de informações, produzindo um diálogo entre dois criadores, mesmo quando é um diálogo em que um dos dois toma a dianteira.