Uma vez, no Cineclube de Campina Grande, preparamos uma
lista dos melhores filmes do primeiro semestre. Todos líamos a crítica
cinematográfica dos jornais da Paraíba, de Pernambuco, Rio e São Paulo.
Sabíamos quem eram os diretores endeusados e quem eram os execrados, quem eram
os gênios imprevisíveis e quem eram os “artesãos competentes” (termo levemente
depreciativo).
Um filme que me causou uma impressão muito forte na época
foi O Diário de Anne Frank de George Stevens, com Millie Perkins no papel da
garota judia cuja família se esconde num sótão de Amsterdam durante mais de um
ano mas acaba sendo descoberta pelos nazistas. Ao mesmo tempo, fiquei fascinado
por Jules et Jim de Truffaut, que ente outros méritos enriqueceu meu conceito
de beleza feminina ao me deparar com a anti-hollywoodiana Jeanne Moreau. Não
hesitei, e na minha lista cravei palpite duplo. Indiquei o filme de Stevens
como “Melhor Filme do Semestre Pelo Meu Gosto” e o de Truffaut como “Melhor
Filme do Semestre, Cinematograficamente”. Achei que as duas obras não estavam “disputando
a mesma Liga”, como dizem os norte-americanos.
Li há pouco um artigo de Jerry Fodor sobre ópera, onde
ele diz: “Se você é apreciador de ópera, é bem possível que seja um admirador
de Puccini. Mas provavelmente você acha que não deveria sê-lo. O gosto por
Puccini é algo que é desaprovado inclusive pelos que o compartilham. Como se supõe
que preferência pessoal e avaliação crítica devem coincidir, numa sensibilidade
artística bem fundamentada, as óperas de Puccini colocam um pequeno mais
genuíno paradoxo crítico.”
Nosso gosto pessoal e a opinião dos críticos coincidem
apenas de vez em quando. A expressão “gosto não se discute”, para mim, revela
um desejo de não querer conhecer a opinião dos críticos, de não querer discutir
e aprimorar conceitos. Não se trata, na verdade, de gostar, e sim de perceber.
Eu leio os críticos para tentar enxergar o que eles enxergam nos filmes, e
decidir se aquilo me serve ou não. Leio para ser capaz de perceber melhor; para
não ficar trancafiado no meu modo de ver de hoje.