domingo, 12 de abril de 2009

0973) Zerando os HDs (29.4.2006)


(Zidaantje: "Erasing the Past")

O que aconteceria se um pulso eletromagnético extremamente forte apagasse, em alguns segundos, todos os arquivos magnéticos do planeta? A hipótese pode ser despropositada, mas, ao menos por exercício imaginativo, vale a pena tentar explorá-la até mais adiante. Será que poderia ocorrer uma interferência energética tão forte que obliterasse todos os nossos registros? Talvez isto seja impossível de ocorrer com arquivos gravados em CD, por exemplo; mas, pelo que sei, grande parte dos arquivos das grandes empresas, indústrias, bancos, etc. estão gravados em suportes magnéticos (como os discos rígidos de computador) que talvez possam ser apagados desta forma. Mesmo que parte desses registros sobreviva a uma “tempestade magnética” (ou, terroristicamente, a um “bombardeio magnético”), fico imaginando a proporção do caos que poderia resultar disto.

Bancos paralisados no mundo inteiro, Bolsas de Valores idem. Aeroportos com as torres de comando inviabilizadas. Satélites mudos, redes de TV fora do ar. Dizem que o sistema telefônico seria a infra-estrutura mais confiável, e por isto a Internet foi concebida como uma rede de comunicação alternativa para o caso de uma catástrofe nuclear, por exemplo. Mas a questão é: quanto tempo levaria para que todos estes serviços (telecomunicações, transportes, bancos, etc.) se reorganizassem e voltassem a funcionar? Dias, semanas, meses? E como seria controlado o caos, enquanto a normalidade não fosse restabelecida?

Os escritores de ficção científica lidam diariamente com essas possibilidades imaginárias, porque elas lhes permitem criar histórias interessantes e cheias de suspense, e o diálogo literário e técnico entre essas histórias ajuda o pessoal que cuida desses sistemas na vida real a prever problemas, imaginar cenários ou modelos de crises futuras, e preparar soluções. Ou seja, essa literatura-da-catástrofe acaba cumprindo uma função social útil. Mas ela cumpre também um outro papel, de ordem simbólica e psicológica. Somos uma sociedade baseada na memória, no registro e acúmulo de informações. Será que sobreviveríamos a uma “amnésia planetária”, a uma destruição dos arquivos, dos registros e dos documentos de nossa civilização?

Nosso contrato social, tudo que rege nossa vida financeira, política, administrativa, se baseia na existência de memória, se baseia em nossa confiança de que compromissos assumidos no mês passado ou há dez anos continuam valendo. Sem provas e sem os detalhes técnicos destes compromissos, sem acesso à infinidade de minúcias que os governam, como continuar a cumpri-los? Como administrar com justiça milhões de situações individuais (contas bancárias, por exemplo) quando todas as informações foram pro espaço? Fala-se no incêndio da Biblioteca de Alexandria, mas o que dizer de um incêndio que fosse capaz de consumir todas as bibliotecas e arquivos do mundo, em poucos minutos e ao mesmo tempo, deixando todo o resto intocado?

0972) A tragédia grega (28.4.2006)


(Gustave Moreau - "Édipo e a Esfinge")

O termo “tragédia grega” sempre nos recorda a tragédia de Édipo Rei. Não é a única, mas é a mais conhecida. Para muitos, o núcleo dessa tragédia é o fato de que Édipo mata o próprio pai e casa com a própria mãe. Não nego que isto seja uma sinuca de bom tamanho, e aí está o mestre Freud que criou toda uma biblioteca em cima deste inusitado conflito. Mas para mim a expressão “tragédia grega” indica um tipo diferente de desgraça: é a luta inútil contra o Destino.

Recordando: os reis de Tebas, que são Laio e Jocasta, têm um filho mas ficam sabendo de uma profecia terrível: esse menino um dia irá matar o pai e casar com a mãe. Horrorizados, mandam matar a criança. O servo encarregado da execução fica com pena e leva a criança para outra cidade, onde ele é adotado por um casal que não tem idéia de sua origem. Quando Édipo cresce, o oráculo é consultado a seu respeito, e a profecia é repetida. Ele fica apavorado com a possibilidade de matar seu pai e sua mãe, e foge. Foge pra onde? Justamente para Tebas, onde, sem saber, acaba matando Laio e casando com Jocasta.

Tragédia grega é aquela tragédia inevitável por mais esforços que a gente faça. Édipo Rei lembra a estrutura de uma história também antiga e com centenas de variantes. A versão que conheço se chama “Encontro em Samarra”. Um sujeito está na cidade de Damasco, e ao andar na rua vê a Morte caminhando na calçada oposta. Com medo de que ela esteja à sua procura, ele pede um cavalo emprestado a um amigo e anuncia que está fugindo para Samarra, onde deve chegar ao anoitecer. Quando passa a galope pela rua, a Morte o avista e faz um gesto de surpresa. Alguém que está do lado pergunta o que foi, e a Morte diz: “Aquele ali não é Fulano de Tal? Que coisa estranha vê-lo aqui em Damasco! Tenho um encontro marcado com ele em Samarra, hoje à noite!”

Assim é o Universo para as pessoas que acreditam no Destino, no “maktub” dos árabes, no “estava escrito nas estrelas”. O mundo onde existe o Destino é o mundo da tragédia grega. Nele não há lugar nem para o Acaso nem para a Sorte nem para a Liberdade nem para o Livre-Arbítrio. Tudo está previsto, tudo está decidido, tudo, num certo sentido, “já aconteceu”, e nós estamos apenas nos encaminhando rumo ao dia em que aquele fato inexorável espera por nós.

Dizem os psicanalistas que quanto mais a gente foge a um assunto que nos incomoda mais este assunto aparece à nossa frente. É o “retorno do reprimido”. Se temos um problema, não adianta fugir para a cidade vizinha. Quando chegarmos lá vamos ver que o problema chegou antes, e está esperando por nós na Rodoviária. É como aqueles monstros, alienígenas, ou serial-killers dos filmes americanos: o sujeito mata, sai pra comemorar,. e quando menos espera o monstro está vivo de novo. A tragédia grega é a história da inutilidade dos esforços humanos para se contrapor à vontade dos deuses. Tudo que os deuses querem que aconteça já aconteceu, e estamos conversados.

0971) O poder da natureza (27.4.2006)



Viver em contato com a Natureza acaba deixando um sujeito meio religioso. Observar animais e vegetais é uma atividade inquietante do ponto de vista filosófico, porque nos mostra uma manifestação da Vida que não depende de nós para existir, e mais ainda, não depende de nós para significar. Bichos e plantas podem ser domesticados, escravizados, caçados e tudo o mais. Mas tudo isto não passa de uma interferência nossa num mundo que não nos pertence, que num certo sentido não nos diz respeito, e que existiria, muito-bem-obrigado, mesmo que a Humanidade não tivesse aparecido no planeta. E que continuará existindo, provavelmente, caso a Humanidade venha a se extinguir por meios menos deletérios do que guerra nuclear ou semelhantes.

A Natureza é um sistema ao mesmo tempo organizado e caótico. Organizado porque bem ou mal são milhões de anos de evolução que resultaram nos animais maiores, nos pássaros, nos peixes, nos insetos e tudo o mais. Estas espécies “deram certo” até agora; estão todas interligadas, e funcionando a contento. E caótico porque, de uma perspectiva estritamente científica, esta espantosa variedade de seres que funcionam e se reproduzem perfeitamente não foi planejada nem executada por ninguém. Cresceu dentro de um sistema de choques, ajustes, disputas, guerras e adaptações, onde cada espécie e cada indivíduo, meio às cegas, procura equilibrar sua presença à presença de outras espécies e indivíduos.

Quando um sertanejo planta um milharal e fica à espera, ele se sente dialogando com forças ocultas e subterrâneas que nunca estão sob seu controle. Ele faz o que pode para compreender como agem aquelas forças, e para extrair delas o alimento de que precisa. Mas por mais que execute passo a passo os procedimentos que aprendeu pela tradição, nem isto é garantia suficiente de que o processo todo dará certo, porque este depende de aspectos imprevisíveis. O solo, as pragas, as chuvas... Controlar tudo isto é uma utopia, e a relação do homem com a Natureza é sempre um diálogo cifrado, uma negociação, através de ritos e de recados, com um Poder velado e inacessível.

Daí que a agricultura seja tão revestida de rituais propiciatórios, da re-encenação de cerimônias, da manutenção de procedimentos onde o temor do fracasso é atenuado por uma história milenar de sucessos. O agricultor, como o alquimista ou o místico, é alguém que trabalha, espera e confia. Mesmo a agricultura arrogante e mecanizada das grandes culturas tipo soja admite, por dentro de sua carapaça de laboratórios e recursos high-tech, um núcleo angustiado de dependência de fatores aleatórios (as decisões políticas, as flutuações cambiais, etc.) que talvez sejam manifestações duplamente indiretas desses poderes que nunca conseguimos sequer compreender, quanto mais domesticar. Os processos reguladores da economia internacional, à medida que ela se avoluma, ficam cada vez mais semelhantes aos processos reguladores dos fenômenos meteorológicos.

0970) Crash – No Limite (26.4.2006)



Este filme de Paul Haggis (Oscar de Melhor Filme de 2005) tem uma estrutura que parece estar sendo cada vez mais utilizada, principalmente por diretores americanos. Sem pesquisar mais fundo, lembro-me de Short Cuts – Retratos da Vida de Robert Altman (1993) e Magnólia de Paul Thomas Anderson (1999). São grupos de personagens cujas histórias vão sendo contadas de forma intercalada, num incessante ping-pong de A para B, daí para C, para D, de volta A, e aos poucos incluindo o alfabeto inteiro. Em Crash, brancos, negros, chicanos e orientais se entrechocam nas ruas de Los Angeles, e faíscas de preconceito étnico explodem em todas as direções.

Histórias assim, baseadas em encontros casuais, costumam abusar das coincidências. Em Crash a maioria delas é aceitável; a mais forçada é talvez a mais dramática, quando um policial chega ao local de um acidente de carro e precisa retirar de um carro capotado a mesma mulher que ofendeu dias antes, durante uma blitz. Mais relevantes do que as coincidências são os mal-entendidos, aquelas situações em que duas pessoas inocentes se agridem mutuamente por mero preconceito e pelo medo irracional em relação a pessoas de outro grupo étnico.

Situações assim lembram uma conhecida receita de suspense de Alfred Hitchcock. Dizia ele: “Dois homens almoçam num restaurante. De repente, uma bomba explode embaixo da mesa. Não há suspense. Mas se durante o almoço mostramos a bomba fazendo tic-tac embaixo da mesa, há suspense”. O mesmo vale para estas situações dramáticas em que dois personagens se confrontam sem se conhecer. O potencial dramático de situações assim vem da onisciência do espectador, da nossa percepção de que eles estão “cegos” em relação um ao outro. Sabemos o que cada um pensa, e do que é capaz, mas eles não sabem.

Crash tem um roteiro eficaz nesse tratamento em ping-pong, em que várias situações vão sendo preparadas ao longo da narrativa e só são completamente esclarecidas bem à frente. Há um quê de melodrama em algumas situações, um melodrama que força a mão no maniqueísmo comum a histórias que pretendem transmitir uma mensagem de ordem moral. Obedientemente, compadecemo-nos dos personagens bonzinhos, e torcemos o canto da boca para os personagens cínicos ou cruéis. Crash tem material humano em número e em natureza suficiente para render uma minissérie, e o fato de comprimir todas as suas histórias em apenas 112 minutos acaba não apenas ratificando a competência de quem o dirigiu e escreveu, como também evitando que o espectador preste demasiada atenção nas comodidades dramáticas de que a história se vale. O Oscar que lhe foi atribuído pode se dever, em grande parte, como alguns críticos observaram, ao fato de que sua descrição de Los Angeles tocou fundo na sensibilidade dos membros da Academia. Não é um grande filme, mas para quem mora ali e cruza nas ruas com aquele pessoal, é decerto um filme importante.

0969) Telê Santana (25.4.2006)



Detesto escrever obituários. Quando morre um ditador ou um cabra safado qualquer, me limito a ler a notícia, saborear, por um momento fugaz e pecaminoso, o gostinho de dizer “bem feito”, e desejar que daí em diante a Justiça Divina se encarregue dos trâmites de praxe. (Caso não haja Justiça Divina, como agnosticamente me vejo forçado a admitir, menos mal: o assunto já se encerra ali mesmo) Mas quando morre alguém que admiro me sinto no dever de dizer algo.

A cultura clássica nos acostumou com um poderoso arquétipo humano: o Herói Que Não Triunfa. Moisés, que conduz os hebreus à Terra Prometida mas morre antes de pisar nela. Roosevelt, que lidera os EUA na Segunda Guerra e morre antes da vitória. Tancredo Neves, que é eleito mas não é empossado. Os Cavaleiros da Távola Redonda que galopam metade do mundo sem nunca encontrar o Santo Graal. E assim por diante.

No futebol, o arquétipo se encarna em seleções unanimente consideradas “o melhor time do mundo”, mas que não ganham a Copa. Os exemplos mais claros são a Hungria de 1954, a Holanda de 1974 e o Brasil de 1982, dirigido por Telê Santana. Curiosamente, não eram times de onze craques. Ainda hoje o Brasil se pergunta o que faziam, na Seleção de Telê, jogadores como Valdir Peres ou Serginho Chulapa; mas não importa. Como no caso da Távola Redonda ou dos Doze Pares de França, o pouco talento ou o pouco carisma de alguns contribuía, como fator de equilíbrio, para a perfeição do grupo.

Li na imprensa, de ontem para hoje, que a morte de Telê anuncia o fim de uma era. Eu acho que a gente devia evitar esses rasgos melodramáticos. Telê procurava equilibrar a disciplina tática do conjunto e a liberdade criativa do craque. Suas seleções (a de 82 e a de 86) perderam por aquilo que nossa imprensa chama hoje de “erros pontuais”, e que bem poderia chamar de erros específicos, ou isolados. Uma seleção muito menos brilhante, a de 1994, ganhou porque não deu nenhuma dessas pisadas-na-bola fatídicas.

Não acho que a morte de Telê seja o fim de uma era, porque não se tratava de sua presença física – afinal de contas ele já estava aposentado há um bom tempo. No futebol, como na Arte, as grandes obras são atemporais. Uma vez incorporadas à memória cultural de um povo, elas se tornam indeléveis, enquanto os sujeitos que as criaram se dissolvem na poeira dos séculos. A morte de Telê, claro, entristece a nós todos, ainda mais por sabermos o quanto ele era (coisa rara hoje) um técnico de futebol educado, cortês, sério, e de comportamento profundamente ético. Choremos o cidadão Telê, tão simpático em sua circunspecção mineira, tão meninamente apaixonado pela beleza do jogo de bola. Mas... fim de uma era? O futebol-arte está vivo, embora não predomine. Está vivo no quadrado ou pentágono mágico de nossa atual Seleção, em garotos que cresceram vendo “o time de Telê” jogar, fosse ele a Seleção de Zico e Sócrates ou o São Paulo de Raí e Toninho Cerezo.

0968) A palavra “oxente” (23.4.2006)





(ilustração: Camilo Borges)

Esta palavra é muito usada por pessoas que querem dar um “tom nordestino” ao que falam ou escrevem. O mesmo se dá com “barbaridade” ou “che” para o falar gaúcho, ou “uai” e “trem” para o falar mineiro. “Oxente” (e sua forma reduzida e igualmente frequente, “ôxe”) significa “Ô, gente!”, e é uma exclamação de surpresa, susto ou estranheza diante de algo. Expressões equivalentes seriam: “Ué!...”, “Puxa vida!”. Exemplos: “Oxente! E você já voltou? Você não falou que ia passar a tarde toda lá?” “Oxente, cadê aquele dinheiro? Eu era capaz de jurar que tinha botado nesse bolso.” “Oxente... Que confusão é aquela? Eu é que não vou passar por ali, pode ser briga!”

Cariocas e paulistas erram muito quando empregam este termo. O erro mais evidente é o da pronúncia. Como eles foram informados de que a origem do termo é a expressão “Ó gente”, sempre pronunciam com o “o” aberto: “Óxente”. Por que? Um bom exemplo é o famoso verso de Catulo da Paixão Cearense em “Luar do Sertão”. No meu modo de ver, escreve-se corretamente assim: “Não há, ó gente, oh não, luar como este do sertão...” O primeiro “ó” é uma interjeição “de chamamento ou interpelação”, segundo o Dicionário Houaiss. O segundo, “oh”, é uma interjeição que expressa “surpresa, desejo, repugnância, tristeza, dor, repreensão” (no caso, creio, surpresa com a beleza do luar). O mesmo Dicionário registra “oh” com pronúncia fechada (“ô”), como pronúncia “informal” e com o mesmo sentido da anterior. Ou seja: a interjeição com vogal aberta é a forma culta, com vogal fechada é a forma popular.

Diante disto, só me resta concluir que “oxente” não vem de “ó gente”, mas de “oh gente” em sua forma popular, com o “o” fechado. É assim que pronunciamos: “ôxente”, e a melhor confirmação é o nordestiníssimo “ôxe!”, forma reduzida que tem a mesma função da forma mais longa. O Houaiss também registra “oxente” (que curiosamente vem antes de “oxford”, “tecido de algodão ou sintético, geralmente de listras simples ou cruzadas, usado especialmente em camisas”). Segundo ele, “oxente” exprime “estranheza ou espanto”, e também se diz “oxe” (com “ô”, fechado). Sendo assim, não procede a indicação do próprio Dicionário de que se trata de uma forma aglutinada de “ó gentes”. Seria, isto sim, forma aglutinada de “oh gentes”, de acordo com a interpretação dada a “oh” (vide parágrafo acima).

Discussão ociosa e bizantina? Nada disso, amigos. Há que usar direito as palavras. Ouço gente dizer aqui no Rio: “Tem que fazer isso direito, oxente!” E a pronúncia é como se dissesse: “Tem que fazer isso direito, rapaz!” O que diabo é isso? Não sei. Rarissimamente usamos “oxente” no fim de uma frase, e menos ainda com esta entonação, usando a palavra como que para designar o interlocutor. “Oxente” é admiração, estranheza, surpresa; é nossa primeira verbalização espontânea, inconsciente, diante de algo que nos espanta. A frase vem depois.





0967) O mouse e o preguiçoso (22.4.2006)



No começo de minha vida informática, trabalhei mais de um ano usando um editor de texto que não acentuava as palavras. Qualquer acento que eu quisesse botar eu tinha que apertar a tecla “Ctrl” e uma combinação teclas no teclado numérico do lado direito. A letra “í”, por exemplo (com acento agudo), era “Ctrl + 131”. Eu sabia de cor todas as combinações para fazer tudo (til, acento agudo, circunflexo, grave, trema, cedilha) e fazia num piscar de olhos. Quando troquei de programa, foi um problema pra me reacostumar.

Tempos atrás, fazendo um trabalho com outro cara, fiquei roendo as unhas de nervosismo ao vê-lo passar dez minutos para copiar o texto inteiro de um arquivo para o final de outro arquivo. Tentou várias vezes, sem conseguir ir até o fim. Ele queria selecionar tudo com o mouse, e como eram 2 ou 3 páginas sempre havia um ponto em que o mouse escapulia e ele tinha que recomeçar. Depois que conseguia selecionar, era precisar conduzir o mouse até o iconezinho de “copiar”. Mas aí clicava sem querer em outro ponto, e a “seleção” desaparecia. “Deixa que eu faço”, implorava eu. E ele: “Calma, rapaz, é assim mesmo”. Tentei ensinar-lhe que bastava clicar “Ctrl + T” (selecionar tudo), “Ctrl + C” (copiar), abrir o arquivo de destino, clicar com o mouse no ponto onde o texto devia entrar, e depois “Ctrl + V” (que significa “colar” – e não me pergunte por quê a letra V, não entendi até hoje).

Existem duas escolas de usuários de computador: a turma do teclado e a turma do mouse. A turma do teclado provém, acho, daqueles que já usavam máquina de escrever há muitos anos, e se sentem à vontade digitando comandos nas teclas. Acham isto mais fácil, mais rápido, mais intuitivamente compreensível (eu pertenço a esta turma). A turma do mouse começou a usar computador na era do Windows, da interface gráfica e do mouse, e só sabe se guiar visualmente: olha, clica, arrasta, etc. Se lhe tirarem o mouse, não conseguem fazer quase nada. Eu, sem mouse, trabalho normalmente em 95% das coisas. Para quase tudo existe um equivalente no teclado.

Existe uma profunda diferença entre digitar um comando e clicar num link. Colocando as coisas de um modo mais bruto, eu diria que digitar um comando é um ato consciente de quem entende o processo que está manipulando; clicar num link requer apenas os mesmos dois neurônios com que alguém toca num objeto com o dedo indicador e diz: “Quero isto”. A interface gráfica, que produz esta tela bonitinha, desenhadinha, colorida, nos dispensa de entender o que se passa por trás dela. É prática, é visual, é intuitiva... e emburrecedora. A interface gráfica me lembra aquelas super-secretárias de alguns executivos, que cuidam da correspondência, da agenda, das viagens, do guarda-roupa... No dia em que a secretária entra em pane, o sujeito não sabe sair de casa e chegar no escritório. Só então ele percebe que não sabia comandar.