Albert Camus afirmou que, ao escrever o clássico O Estrangeiro (1942) estava tentando escrever um daqueles romances de crime-norte-americanos que gostava de ler, e que ficaram conhecidos como “roman noir” (batizando depois o gênero cinematográfico do “film noir”), devido a uma famosa coleção francesa de capas pretas. Para alguns puristas pode parecer uma heresia a noção de que o Filósofo do Absurdo estava querendo imitar autores como Dashiell Hammett, mas o Romance Policial Existencialista, gênero que acabo de batizar neste momento histórico, tem raiz nesse curioso movimento de trocas culturais entre EUA e França.
O movimento se dá mais ou menos assim: a cultura popular
dos EUA produz alguma coisa que faz relativo sucesso em seu país mas é esnobada
pelos intelectuais. Algum tempo depois, intelectuais franceses descobrem
aquilo, maravilham-se, e começam a imitá-lo ou dedicar-lhe exegeses. Com esse
súbito acesso de respeitabilidade, geralmente a obra original passa a ser vista
com mais atenção no país de origem. Cineastas como Samuel Fuller e Jerry Lewis
são muito mais respeitados na França do que em sua terra. Edgar Allan Poe
talvez tivesse sumido no submundo da literatura de gênero se não fosse
Baudelaire. E o romance de crime ganhou esse verniz existencialista graças a
praticantes como o próprio Camus, Alain Robbe-Grillet etc.
O romance policial, além do lado de enigma e mistério,
tem um lado “social”, de mostrar o que existe por baixo do tapete da
civilização. E pode ser também a grande
literatura trágica do nosso tempo, porque nada melhor do que o crime para
exprimir a tragédia humana. A tragédia
da civilização fora-dos-eixos, da vida que não deu certo, dos destinos
individuais presos na teia dos acasos, fatalidades e outros ingredientes da
tragédia grega. Alguns tentam fazer isso recheando seus enredos com reflexões
filosóficas.