Ford Madox Ford disse, referindo-se ao diálogo literário, algo que eu já vira nos meus tempos do cineclubismo, dos debates por questões estéticas ou políticas. Ele observou que as pessoas, na verdade, não escutam umas às outras, porque enquanto “A” está falando “B” prepara o que vai falar em seguida. Toda conversa, portanto, não é mais do que uma intercalação de monólogos fatiados.
Essa idéia de Ford foi
encampada por seu amigo Joseph Conrad, e está esmiuçada com mais minúcias em
cartas e artigos dos dois, num livro (a edição Norton de Heart of Darkness)
que não tenho agora à mão.
Saber ouvir não é ceder os tímpanos, é ceder a
retina, a pele inteira, a aura Kirlian e tudo mais que tivermos para captar as
diferentes faixas de onda que o outro está emitindo. Sem isso não escutamos
sequer um bom-dia.
Nas
discussões de Jornada, nos debates, nas mesas-redondas, me acostumei a não
olhar para o orador do momento, e sim para os que estavam discutindo com ele.
Em sua maioria tinham aquela postura corporal meio contraída, de bote-armado,
felino aguardando o instante de saltar sobre a presa; mas seu olho não era o
olho vívido e consciente de quem recebe em tempo real as idéias emitidas pelo
interlocutor, era o olho vidrado e ausente de quem está com 100% da luzinha
vermelha do HD piscando em função de si próprio.
Não estavam ouvindo, estavam
verbalizando a plenas turbinas os argumentos que iriam desfechar sobre o outro
no próximo minuto.
É,
é difícil a gente ouvir o que o interlocutor diz. Nossos tímpanos captam a
vibração das moléculas do ar, claro, mas achamos que isso basta. Discussões
pessoais muitas vezes dão com os burros nágua por essa nossa incapacidade de
perceber as palavras por trás dos sons, as idéias por trás das palavras, e as
emoções por trás das idéias, porque é essa a hierarquia do discurso.
A
contraprova disso se dá quando estamos num país estrangeiro, de uma língua que
desconhecemos, mas num ambiente fraternal, receptivo, com pessoas descontraídas
e interessadas umas nas outras. Todas fazem um esforço (que não lhes custa
muito, admito) para se entenderem. Nesses momentos, somos capazes de prodígios
telepáticos diante de longas frases em alemão ou holandês. Catamos uma ou outra palavra que imaginamos
conhecer, e com que desenvoltura desenrolamos o resto!
A literatura nos
mostra pessoas dizendo umas às outras o que vai acontecer dali a duzentas
páginas, e quando chega o momento percebemos que o outro escutou mas não ouviu,
ou ouviu e não entendeu, ou entendeu mas não absorveu o que havia entendido. Todas
as tragédias ocorrem quando as pessoas estão falando grego entre si.