terça-feira, 16 de novembro de 2010

2402) Liberdade de imprensa (16.11.2010)



(Ilustração: J. I. I. Grandville)

Liberdade de imprensa é liberdade de empresa. É uma coisa importantíssima e necessária, uma coisa que afeta a vida de todos nós. Mas não é um valor absoluto. Nós, jornalistas, temos o hábito de dizer (por fé democrática e por instinto de sobrevivência) que a liberdade de imprensa é um valor absoluto, mas não é, valores absolutos não existem. A vida, o amor, a liberdade... nada disso é valor absoluto, tudo precisa estar em contexto. Nada existe fora de contexto. Se a vida, por exemplo, fosse um valor absoluto, um sujeito não seria absolvido por tirar uma vida em legítima defesa. Se a liberdade fosse um valor absoluto, ninguém poderia ser preso. Se o amor fosse um valor absoluto, não se poderia condenar um homem que por amor matasse uma mulher. E assim por diante.

Liberdade de imprensa é a liberdade que têm os donos de um jornal (ou de uma empresa de telecomunicações, no sentido mais amplo) de defender os interesses que eles julgam corretos. Se julgam correta a democratização do país, eles usam seu jornal para lutar por isso. Se julgam correta a abolição da pena de morte, o protecionismo alfandegário ou as cotas raciais nas escolas, têm o direito de instruir seus empregados (os jornalistas) para defenderem essas ideias. Da mesma forma (visto que vivemos numa democracia) um dono de jornal ou de TV que julga correta a busca da maximização dos próprios lucros, dentro da lei, tem todo o direito de lutar por isso. Se ele é a favor da pena de morte, se é contra o protecionismo ou contra as cotas, também pode mobilizar seus redatores para, sempre agindo dentro da lei – que é, ou deve ser, o limite de ação para todos, não é mesmo? - defender essas ideias.

A liberdade de imprensa ideal seria aquela em que um redator pudesse publicar uma enorme matéria de capa contradizendo o interesse do dono do jornal. Pense numa liberdade grande! Mas isso deve ocorrer muito raramente, e em pequena escala. Colunistas como eu, por exemplo, geralmente contam com a benevolência das empresas, mesmo quando discordam delas. Uma coluna é uma matéria assinada, que exprime a visão do autor, não a da empresa. E a empresa pode aproveitar isso para dizer: “Olha aí como nós somos democráticos. O cara é nosso empregado, defende um interesse contrário ao nosso, mas a gente não só não o expulsa, como ainda publica o texto dele, e lhe paga por isso.”

Informação, interpretação e opinião são as três moedas da imprensa, cujo valor oscila mas nunca se deteriora. Em qualquer época e em qualquer circunstância haverá multidões precisando das três, sempre que as acreditarem legítimas. E o mais importante é que em qualquer país coexistem moedas contraditórias, porque cada jornal enxerga e defenda uma verdade diferente. A primeira liberdade de imprensa é permitir que as imprensas sejam muitas; depois, que os interesses sejam claros, o debate seja aberto. E que os valores sejam nobres, se não for pedir demais.