Eu estava no Rio de Janeiro a passeio, hospedado no apartamento de amigos em Ipanema. Cheguei um dia sozinho, de madrugada, rua deserta. Havia um cara querendo entrar no prédio; não tinha a chave, nem havia porteiro. Abri a porta para ele, que sorriu, me agradeceu, entramos, eu ia para o térreo, ele subiu no elevador. Era Glauber Rocha.
Eu vi em Salvador, no Corredor da Vitória (uma rua com
intenso tráfego em mão dupla), dois motoristas diminuírem a marcha ao virem na
direção um do outro, e depois pararem os carros lado a lado, trocarem sorriso,
aperto de mão, algumas frases, enquanto as duas filas de carros esperavam, por
trás de cada um, e depois eles deram tchau, todo mundo seguiu em frente e o
mundo até hoje não se acabou.
Eu vi no Circo Voador da Lapa, após o Rock in Rio de 1985,
numa noite em que muita gente subiu ao palco, a hora em que a platéia pediu
James Taylor, que tinha botado o “RiR” todo pra cantar “You’ve Got a Friend”
poucos dias antes. Ele sentou ao microfone e pegou o violão, e aí um engraçadinho
da platéia jogou uma lata de cerveja que pegou na cabeça dele. Ele cantou mesmo
assim.
Eu estava na multidão hirsuta que de violão em punho foi
para a frente da cadeia de Ouro Preto pedir ao megafone a libertação dos atores
do Living Theatre de Julian Beck e Judith Malina, ali encarcerados, e como não
se libertou ninguém a gente cantou de novo “This is the dawning of the Age of
Aquarius”, e voltou para a praça.
Eu vi da platéia algo que talvez já tenha acontecido a muita
gente pelo mundo afora, mas eu tive uma sensação de estranheza e de novidade
alguns anos atrás, quando vi ao vivo Chuck Berry cantando “Yesterday” num palco
carioca.
Eu estava ali bem pertinho da grade do Palácio da Liberdade,
em Belo Horizonte, quando o corpo do presidente-eleito-e-não-empossado Tancredo
Neves foi posto à visitação pública, e a multidão forçou os cordões, e foi
preciso a viúva vir à sacada e ao microfone, para pedir que se afastassem,
porque podia acabar acontecendo uma tragédia.
Eu estava na platéia do Teatro Santa Roza, na Paraíba,
durante um espetáculo de Brecht montado por Renato Borghi e Ester Góes, quando
no meio da peça um fotógrafo da imprensa subiu no palco e tirou mais de uma
dúzia de fotos, como se fosse invisível, até que os atores se interromperam e pediram
a ele para descer, porque estavam se desconcentrando.