sábado, 23 de fevereiro de 2013

3117) O gozo da santa (23.2.2013)




(Bernini, "Êxtase de Santa Teresa", detalhe)


Uma piada irreverente diz que o lugar mais religioso do mundo é o Motel, porque se alguém pudesse sair escutando às portas ouviria em todas elas alguém gemendo: “Ai meu Deus... ai meu Deus do céu... ai minha Nossa Senhora... valei-me meu Jesus...”. Não é desrespeito, minha gente; aliás, se quem está por trás daquelas portas são casais cristãos e cheios de fé, melhor dizerem isso do que dizerem aquelas outras coisas impublicáveis que nos ocorrem nesses momentos.

O êxtase religioso e o êxtase sexual são um tema antigo na arte, e me referi dias atrás nesta coluna ao poema de Manuel Bandeira onde ele comenta a “transverberação” (=trespassamento) do coração de Santa Teresa de Ávila. Esta santa escreveu algumas das páginas mais belas da poesia cristã, junto com as de San Juan de la Cruz. Não li muitos poemas dela, mas sua sensibilidade e sua agudeza psicológica me lembram Emily Dickinson ou Cecilia Meireles.

A transverberação é um episódio biográfico em que ela assim descreve a visitação que recebeu de um anjo: “Vi na sua mão uma comprida lança de ouro, em cuja ponta de ferro havia um pequeno fogo. Ele parecia enfiá-la de vez em quando no meu coração, até perfurar minhas entranhas; e quando a puxava para fora arrastava tudo consigo, e me deixava em chamas, com um grande amor por Deus. A dor era tão grande que me fazia gemer; e no entanto era tão extraordinária a doçura dessa dor excessiva que eu não queria que ela parasse”.

Em 1652 o escultor Bernini traduziu esse episódio num famoso grupo de estátuas, em Roma, onde a imagem do rosto da santa, jogado para trás, olhos cerrados, boca entreaberta, é a pura imagem do gozo físico. (Ver aqui: http://bit.ly/a6WfOp). Bernini produziu outra estátua em 1674, da beata Ludovica Albertoni, em que o momento da morte e o momento do êxtase igualmente se confundem (ver: http://bit.ly/YeVUQ0). Para nós, são imagens que evocam de imediato o gozo feminino, o transporte de prazer que já foi chamado “a pequena morte”. A mistura de prazer carnal e transcendência espiritual é um dos aspectos mais curiosos de certas religiões, onde o êxtase pela fé é sem dúvida uma sublimação para o sexo (onde ele é vetado) ou uma focalização de suas energias (onde o sexo é parte de um ritual).

Santa Teresa afirmou num poema: “Deus não tem outro corpo senão o teu / nem mãos, nem pés sobre a terra senão os teus; / são teus os olhos com que a compaixão de Deus contempla o mundo”. Poderíamos teorizar que o orgasmo é uma das raras ocasiões em que o ser humano se torna completo, em que corpo e alma se tornam uma coisa só, e Deus (aceitando a premissa de que haja um Deus) habita alguém por inteiro.