quarta-feira, 20 de outubro de 2010

2378) “Modesty Blaise” (20.10.2010)



Conversando estes dias a respeito de adaptações de quadrinhos para o cinema, me veio à lembrança este filme de Joseph Losey que vi por volta dos 16 anos, e que é baseado numa HQ britânica. Na época, o filme me pareceu a encarnação da Modernidade. Cenas extravagantes e meio surrealistas, narrativa rápida, entrecortada, descontínua (o que para mim, na época, era sinônimo de genialidade). Eu tenho uma, hmmm, cópia para colecionadores; botei no DVD e assisti. David Thomson comenta que o filme é “divertido, mas desnecessário”, e que significava “uma ruptura de Losey com a seriedade, mas sem demonstrar senso de humor”. É isso mesmo.

Modesty é uma espécie de espiã informal que o governo britânico usa como despiste para evitar o roubo de uma valiosa coleção de diamantes. Como é de se esperar, a ação pula de Londres para Amsterdam, daí para a África árabe, de lá para ilhas tropicais... Peripécias se sucedem, sem a necessidade de explicações ou de encadeamento lógico. Como numa HQ despretensiosa (e como em qualquer filme em que o sensorial se sobreponha ao intelecto), as paisagens e as situações surgem pelo seu potencial de ação ou de imagem, e pouco importa se a narrativa as pede; mas são dirigidas por um cineasta mais propenso à reflexão do que à ação. Há cenas divertidas: um agente apertando a campainha de uma casa com a ponta do guarda-chuva, e a casa explodindo; o gangster-dândi (Dirk Bogarde) tendo que escolher entre duas lagostas para o almoço e queixando-se: “Decisões! Decisões! Quero as duas”; Modesty trocando de roupa, exibindo um escorpião tatuado na coxa, e dizendo: “Tenho um ferrão na cauda”; o gangster bebendo um drinque enorme onde nada um peixinho dourado; no final, amarrado ao chão do deserto, ele implora: “Champanhe... champanhe...” São algumas das cenas marcantes, e as únicas que eu lembrava.

Modesty Blaise é uma tentativa de fazer um cinema pop britânico, algo que a série James Bond estava conseguindo com sucesso. Mônica Vitti, a estrela de Antonioni, é um dos charmes do filme, com aquela sua boquinha “vem cá”. O ano de 1966 foi a era da “Swinging London”, quando a capital inglesa, com Beatles e Rolling Stones à frente, era a Meca do pop. Modesty compartilha o espírito descontraído, ilógico e “banda vuô” de filmes como Help de Richard Lester. Também tem algo de Blow Up, que Antonioni estava rodando em Londres, ao mesmo tempo. É curioso que os filmes de Losey e Antonioni compartilhem dois detalhes que chamam a atenção: um plano de detalhe de uma mão fazendo prestidigitação (em Modesty com uma bolinha, em Blow Up com uma moeda), e um mímico com rosto pintado de branco, que aparece com destaque em Modesty e, em grupo, em algumas cenas cruciais do filme de Antonioni. Prestidigitação e teatro são duas palavras chave para o entendimento da angustiada fábula existencialista de Antonioni, e da divertida e inconsequente HQ animada de Losey.