sexta-feira, 7 de março de 2008

0061) O poeta e o imperador (1.6.2003)



Millor Fernandes resumiu tudo numa fórmula simples: “O pobre quer ser rico, o classe-média quer ser rico, o intelectual quer ser rico, e o rico quer ser intelectual.” Precisa dizer mais? 

É curioso o modo como quem tem o Saber sonha com o Poder, e vice-versa. É curioso como quanto mais nos aproximamos de um deles mais nos afastamos do outro. Parece um decreto da Providência divina, porque se algum dia alguém conseguisse ser dono destas duas forças, seria igual aos deuses.

Seria digno de uma grande cobertura jornalística o encontro entre o Rei que tinha arroubos de poeta e o Poeta que tinha pose de rei; mas o encontro de D. Pedro II e Victor Hugo em Paris, em 1877, ocorreu quase sem testemunhas, e sem nenhum alarde, durante a segunda viagem do Imperador à Europa. 

Fernando Gouveia registra em O Imperador Itinerante que, hospedado no Grand Hotel de Paris, onde recebia visitantes e diplomatas nos fins de tarde, Pedro II vinha já há algum tempo tentando uma audiência com o poeta, mas Hugo já por duas vezes se esquivara. Na primeira vez, com uma seca recusa; na segunda vez, valendo-se de sua condição de Senador para sugerir ao Imperador que fosse procurá-lo em seu gabinete do Senado, em Versalhes.

Na verdade, a saúde de Hugo, que tinha 75 anos, começava a declinar, e isso viria a afastá-lo da política no ano seguinte. 

Talvez aos seus olhos aquele sul-americano relativamente jovem (51 anos), imperador ou não, fosse apenas mais um admirador em busca de um autógrafo e de uma história para sair contando.

Foi portanto com uma certa condescendência que finalmente, em 22 de maio, o poeta concordou em receber o imperador em sua casa, no nº 21 da Rue de Clichy. Desse modo, repetia-se o episódio de cinco anos antes, quando da visita de Pedro II a Portugal: Camilo Castelo Branco se recusara a ir visitá-lo no hotel e o monarca, com a humildade característica dos verdadeiros leitores, foi à casa do romancista.

Hugo registrou a visita em seus “Carnets”, e o diálogo entre os dois parece finalmente ter transcorrido sem acidentes. Ao chegar, Pedro II disse logo: “Tranquilizai-me, sou um pouco tímido.” 

Hugo apresentou seu neto Georges ao Imperador, e chegou a tratá-lo de “Majestade”. A resposta de Pedro II (“talvez com malícia maior do que parece”, como observou Wilson Martins, no volume 4 de sua História da Inteligência Brasileira), foi: “Aqui só há uma majestade, é Victor Hugo”. Os dois voltaram a se encontrar dias depois, num jantar ao qual compareceu também a atriz Sarah Bernhardt.

Hugo viria a morrer exatamente 8 anos depois, em 22 de maio de 1885. 

Quanto a Pedro II, guardou como recordação do encontro a foto autografada que Hugo levou depois, pessoalmente, ao Grand Hotel, com a dedicatória: "Àquele que tem como ancestral Marco Aurélio", o que mostra que um único encontro bastou ao Poeta para perceber por qual tipo de glória suspirava o Imperador.




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