Num amistoso recente, os jogadores da Seleção foram assediados no hotel por caçadores profissionais de autógrafos, gente que pega um avião de Londres para Lisboa para pegar dezenas de assinaturas... do mesmo jogador. Os caras dizem que são colecionadores. Devem ser colecionadores de dólares, isso sim, porque do jeito que tem gente besta no mundo deve existir muito jovem bobo e endinheirado disposto a pagar 100 ou 200 por uma foto de Ronaldo com o nome rabiscado pelo próprio.
Não vou comentar a atividade desses espertalhões, porque isso é apenas a essência do comércio: servir de intermediário entre a sede e o copo dágua. Como no tráfico de drogas, tem gente vendendo porque tem gente comprando, e vice-versa. Mas no presente caso, é a “gente comprando” que me interessa mais. Por que alguém paga a maior grana por um pedaço de papel com um nome escrito?
Se me caísse nas mãos um autógrafo de, digamos, Carlos Drummond de Andrade, eu iria ver aquele papelucho com o deslumbramento ameninado e fetichista de qualquer fã: “Eita, ele pegou nesse papel... encostou a caneta aqui... escreveu...” Funciona aí a magia por contato: um objeto tocado por alguém especial capta a sua aura, conserva-a, transmite um pouco dela para cada pessoa que o tocar também. Daí a mitologia das relíquias: o cálice em que Jesus bebeu, a cama em que o Imperador dormiu, a caneta com que o Presidente assinou o documento... A cultura de massas extrapolou essa tendência até os limites do ridículo. Houve um hotel que vendeu pedacinhos dos lençóis usados pelos Beatles quando se hospedaram lá (dizem que continua vendendo até hoje). A grama do Estádio de Wembley foi repartida em quadrados e vendida a colecionadores. Eu fico pensando que quem compra esses troços é gente que tem no quartinho dos fundos uma máquina de imprimir dinheiro.
O melhor autógrafo, no entanto, é o personalizado. “Para o grande poeta Braulio Tavares, um abraço do seu amigo e admirador, William Shakespeare...” Que tal?! Conheço gente que venderia a avó para ter um papelzinho assim, firmado por um famosão qualquer. O problema é que a imensa maioria dos autógrafos “personalizados” é dada mecanicamente, num aeroporto, num coquetel, num camarim... “Para Valdirene, um beijão de Roberto Carlos”. Valdirene vai passar o resto da vida convencida de que não apenas conhece o Rei, mas o Rei também a conhece, e se um dia alguém perguntar, ele vai responder: “Valdirene? Claro, é uma fã minha, dei um autógrafo a ela quando cantei em Palmeira dos Índios em 1979...” E Valdirene vai sonhando.
E sonho eu também, todos sonhamos que somos especiais porque alguém que a televisão considera mais especial do que os outros perdeu 15 segundos de seu tempo para rabiscar seu nome num papelzinho. São os nossos 15 segundos de fama, mas que rendem dividendos de fantasia para o resto de muitas vidas. Eu que o diga, que quando estou meio macambúzio vou reler as dedicatórias nas minhas estantes.
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