https://www.curtaon.com.br/series/serie.aspx?serieId=1327
Ter que assistir e editar dezenas de entrevistas de
especialistas sobre o tema não melhorou minha capacidade mnemônica, mas me
ajudou a aceitar a existência dos buracos, das bobeiras, dos “brancos”. A mente
é uma rua de terra. Tem buracos? Paciência. Se a gente não pode passar ali a
120 por hora, como passava aos trinta anos, vai devagarinho, e segue em frente.
Buraco de estrada também é chão.
Quando me pedem entrevista, sempre prefiro fazer por
escrito. Entre outras vantagens (poder responder na hora que preferir – de
madrugada, por exemplo) existe a de poder consultar na estante ou no Google
algum nome, título, data, seja lá o que for.
Não quero ficar, ao vivo, numa TV ou rádio-por-telefone,
como algum locutor esportivo idoso que diz: “Parte o Flamengo para o
contra-ataque, defesa está aberta, Gerson estica para Bruno Henrique, ele
disputa a bola com o zagueiro do Fluminense, o... o nosso amigo... o da camisa
tricolor, o número 20 do tricolor das Laranjeiras, disputando a bola com o
atacante rubronegro...” e enquanto ele lembra dos nomes a bola já foi gol e
alguém já deu nova saída.
O que atrapalha pra valer é esquecer de pagar o boleto no
vencimento, esquecer de mandar a documentação, de assinar a autorização ou a
carta de anuência, de cobrir a conta na véspera do débito automático, de
comprar o remédio antes do fim da caixa...
Atrapalha também, mas sem consequência graves, esquecer de
responder as dezenas de emails ou zaps com perguntas, comentários, alôs,
olás... Ou até responder duas vezes por esquecer que já tinha respondido
(tomara que as duas respostas sejam parecidas).
Tudo isto faz parte do varejo da memória, dos
lembramentos e esquecimentos diários, miúdos, cotidianos. Temos que nos
conformar com isto sem fazer um exagero em torno.
Quando a gente tem 15 anos, esquece do dia da prova,
esquece de devolver uma grana emprestada, esquece de botar a camisa pra lavar
antes do jogo de domingo... É problema mental? Não, é fuzuê mental. A cabeça de
um adolescente é um salão cheio de pessoas falando ao mesmo tempo.
A cabeça de um velho é o mesmo salão, ampliado pelos
muitos anos de vida. O velho, porém, descobriu o botão do volume. Quando fica
muito alta a gritaria dos compromissos, dos trabalhos, dos lembretes, das
agendas, das conversas pessoais, das discussões práticas... ele simplesmente
abaixa o volume. Fica todo mundo mexendo a boca, e ele pode fechar os olhos em
paz por meia hora.
Só que não há botões individualizados – ou aumenta tudo,
ou abaixa tudo.
O que nos dizem os especialistas em memória é que esquecer
é tão importante quanto lembrar, porque a capacidade de processamento do
cérebro é finita (e, em muitos casos, declinante com a idade) e é mais útil poder
manter um fluxo normal e incessante de idéias do que ficar sujeito a um
“engarrafamento de trânsito” em que memórias irrelevantes ficam bloqueando o
caminho de coisas mais urgentes ou mais significativas.
O segredo de lidar com a memória é desapegar, priorizar, maximizar
isto, minimizar aquilo, poder pegar uma transversal e continuar sabendo em que
direção fica a via principal, saber administrar um combustível na-reserva sem
rodeios inúteis...
Como dizia Walter Franco: “O que é que faz com essa
cabeça, irmão?... Saiba que ela explode... Olha que ela pode...”.
https://www.youtube.com/watch?v=rXoLe-EBUgc