quarta-feira, 28 de novembro de 2012

3042) Droga e liberdade (28.11.2012)






No filme The Corporation, a certa altura os realizadores questionam o uso maciço de propaganda dirigido às crianças nos EUA para que comprem (ou peçam aos pais) brinquedos, doces, etc.  Os entrevistadores perguntam se não é eticamente errado manipular com publicidade as mentes despreparadas dos pirralhos, fabricando desejos, num momento em que elas não têm uma visão crítica sobre o que estão assistindo. Uma executiva responde, rindo: “But it’s just a game!”. É só um jogo! Para a mentalidade dos executivos, é um jogo de números entre as empresas, como o Banco Imobiliário. Eles precisam melhorar a relação dos números da própria empresa (vendas, lucro, etc.), e a relação entre os números da empresa e os dos concorrentes.

Todos nós somos assim, não é mesmo? Todos somos politicamente corretos, religiosos, bons cidadãos, mas no momento em que alguém bota um putufú de dinheiro em cima da mesa e diz: “Será seu, se você fizer tal e tal coisa”, argumentos brotam dos lugares mais inesperados da nossa mente, convencendo-nos de que não estamos fazendo aquilo pelo dinheiro, mas por uma lista de motivos nobres que daria duas voltas-à-esquina. Se uma fábrica de pipoca me oferecesse um salário mensal de 100 mil reais para dirigir seu setor de publicidade, forçando todas as crianças da Paraíba a comerem pipoca desenfreadamente, eu pensaria: “Ora... Pipoca é milho!  É cultura indígena! O milho faz parte de nossa dieta desde tempos imemoriais. Contém amido!  Melhor vê-los comendo pipoca do que mascando chicletes”. E assim por diante.

Não é impossível que alguns fabricantes e vendedores de crack, metanfetamina, heroína, etc., sejam cidadãos corretos em sua vida doméstica: bons pais, bons maridos... Podem ser honestos, incapazes de desviar para si um só centavo que não seja seu.  E se lhes perguntarem pela destruição causada pela droga que vendem, eles responderão, como o químico nerd de Breaking Bad: “Compra droga quem quer, usa quem gosta. São adultos, e são livres para escolher”.  Ora, ninguém é livre para escolher. Nossas escolhas aparentemente livres são sempre influenciadas por alguém de fora. Nossa liberdade de escolha se dá sempre num corredor de pressões e proibições. O fantasma da liberdade (como dizia Buñuel) nos faz imaginar que somos sempre donos das nossas opções, mas agimos dentro de limitações estabelecidas por quem nos explora. Uma criança é livre para escalar um parapeito e pular de um vigésimo andar. Mas essa “livre” escolha a precipita numa situação em que fica impedida de escolher, para sempre. A droga é uma livre escolha que em alguns casos conduz ao cancelamento de todas as liberdades.