sábado, 11 de maio de 2019

4465) Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman! (11.5.2019)



Saiu agora pela Ed. Intrínseca (Rio) uma nova edição de Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman!, livro meio informal de memórias do cientista norte-americano, sobre o qual já escrevi algumas vezes aqui no Mundo Fantasmo.

Não examinarei nem darei opinião sobre as descobertas científicas de Feynman, mas já que ele ganhou, entre outras coisas, o Prêmio Nobel de Física de 1965, alguma importância ele tem, além de um temperamento irrequieto, questionador, impaciente com a burrice alheia, mas bem humorado (e malicioso) o bastante para divertir-se às custas dela, ao invés de se desesperar ou se aborrecer.

A frase do título foi pronunciada pela esposa de alguma autoridade universitária, num jantar, quando Feynman, convidado, fez algum pedido que era uma espécie de heresia gastronômica e cerimonial.

Uma das diversões favoritas de Feynman era falar a verdade e se divertir com a incredulidade dos colegas. Professor por muitos anos (no Rio de Janeiro, inclusive) ele ironizava os alunos (e alguns professores) dizendo que viviam no piloto automático, ouviam mas não assimilavam, diziam mas não sabiam o que estavam dizendo, respondiam com precisão qualquer pergunta sem saber direito o que tinha sido perguntado e respondido.

Comprei esse livro em dezembro de 1990 de passagem por São Paulo, num sebo-estante que tinha ali numa praça.

No prefácio dessa edição da Bantam, Ralph Leighton diz (trad. minha):

As histórias contidas neste livro foram reunidas de forma intermitente ao longo de sete anos de agradável bate-papo com Richard Feynman. Considerei divertida cada uma das histórias isoladamente, e o conjunto delas me parece extraordinário. Que uma tal quantidade de coisas malucas tenha acontecido a ele é algo que às vezes é difícil de acreditar. E o fato de que uma pessoa fosse capaz de armar tantas traquinagens em uma só vida pode nos servir de inspiração!

As traquinagens eram às vezes um mero costume de pregar peças nos conhecidos, que muitas pessoas têm, cientistas ou não. Em outros casos, mais sérios, Feynman se valia das mesmas malandragens para envolver oponentes de raciocínio mais bitolado do que o dele. Há um episódio muito citado quando ele, reunido com outras autoridades para investigar o desastre com o ônibus espacial Challenger, propôs sua teoria para a causa da explosão e fez uma demonstração prática ali mesmo na mesa, diante de todo mundo.

Feynman batia de frente com os políticos e dizia que você pode trapacear a opinião pública, mas não as leis da natureza. Ele gostava de examinar tudo por todos os lados, e sempre se apegava aos fatos. Queixava-se de que quando as pessoas estão focadas demais nas próprias idéias não prestam atenção aos fatos, ou só o fazem seletivamente.

Feynman tem uma dessas inteligências recursivas, que estão constantemente se auto-interrompendo e se auto-analisando: Por que pensei assim? O que foi isto que eu senti? Por que razão essas coisas me pareceram ser desse jeito? O que é isso que eu estou presenciando?

Durante o tempo em que esteve ligado à Cornell University, ele esteve de passagem pelo Brasil e morou aqui durante meio ano, em 1951. Como era um percussionista amador (tocava bongô) acabou se juntando aos ensaios de uma escola de samba, que ele nomeia como Farçantes [sic] de Copacabana, tocando frigideira. Aventura que ele conta no capítulo deste livro intitulado (em português, no original) “O Americano, Outra Vez!”.

Há um trecho hilário em que Feynman está chegando ao Brasil e uma professora lhe pergunta como aprendeu nossa língua. Meio hesitante, mas aluno estudioso, ele diz que começou a aprender espanhol, mas depois descobriu que viria mesmo para o Brasil, “...e consequentemente aprendi português.” A frase que ele pensara em inglês era “So, I learned Portuguese”, e fico imaginando um Físico conhecendo uma língua em que “so” se traduz por “consequentemente”. Duas “partículas” equivalentes e diferenciadas.

Físicos teóricos da escala acadêmica e profissional de Feynman desfrutam de uma certa liberdade para imaginar cenários inesperados, mostrar que são coerentes, e depois aplicá-los ao mundo real. Podem passar décadas agarrados com uma idéia que avança a passo de jabuti, enquanto dão aulas, formam turmas, orientam futuros doutores. Podem jogar muitas teorias para o alto; faz parte de sua função; como o centroavante no futebol, ninguém espera que ele acerte o tempo inteiro. Mas todos sabem que se ele agitar e criar situações o tempo inteiro, algum gol ele acaba emplacando.