sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

2471) O mistério Krapotkin (4.2.2011)



“A semelhança eufônica com o nome do famoso anarquista poderia explicar, em parte, o relativo ostracismo a que o escritor russo-brasileiro Krapotkin foi estranhamente relegado", comentou o crítico J. Silveira sobre o fato de que até o Google localiza com dificuldade as (poucas) páginas dedicadas ao excêntrico romancista. Criador de uma Oulipo “avant la lettre”, e várias vezes comparado a Borges (cuja obra aparentava desconhecer ou desdenhar), ele não tem relação com Piotr Kropotkin (1842-1921), reverenciado por anarquistas e libertários do mundo inteiro, principalmente entre os jovens (ainda hoje, em manifestações contra o G-8, em Davos ou em qualquer parte, veem-se jovens “punk” com cabelo moicano azul empunhando posters do barbudo e atarracado pensador russo). Já o escritor, Nikolai Krapotkin (1916-1995), teve a possível má sorte de emigrar em 1945 para o Brasil, onde produziu sua obra e onde se enterrou para sempre no âmbar translúcido da nossa língua, que se tornou para ele, como para tantos outros, “esplendor e sepultura”.

“Há um poço subterrâneo, de trajeto caligráfico, ligando Rússia e Brasil”, escreveu Krapotkin num artigo publicado em 1961 na Revista do Livro, “uma corrente de energia psíquica entre territórios tão apartados e distintos; ela produz a mesma crispação cósmica arrebatando o intelecto, a mesma fascinação com a clareza da álgebra e com as sombras do incognoscível”. Krapotkin publicou aqui Ouroboros (1965), Mardi Gras (1972), O Livro dos Jogos (1978) e o póstumo (inacabado) O Livro das Superstições (2011). Seu roteiro de ficção científica O Livro Invisível (não filmado, publicado em 1990) só pode ser chamado de FC, segundo um crítico, “no sentido em que Alice in Wonderland pode ser chamado de literatura infantil”.

Krapotkin era um escritor fora-de-esquadro (a seu respeito, ver: http://tinyurl.com/4nf5f28). Com notória facilidade para idiomas (escrevia nas principais línguas européias), utilizava de modo surpreendente o português, desconcertando e divertindo o leitor. Contudo, sua principal força não é no nível estilístico, mas no estrutural. Assim como Italo Calvino, Harry Stephen Keeler ou Milorad Pavich, sua originalidade estava principalmente na estrutura interna da narrativa e no modo como organizava a sucessão de peripécias. Seu uso de cartões perfurados, como os dos antigos programas de computador, foi visto por alguns críticos como uma influência de Nabokov; mas essa semelhança superficial foi desmentida por Antonio Biely num artigo da saudosa revista Nicolau, de Curitiba.

Um grupo de abnegados está exumando a obra de Krapotkin, grande parte da qual (como sua volumosa correspondência literária, meticulosamente preservada em cópias carbono) continua inédita. Especula-se também sobre sua utilização de pseudônimos, pois mais de uma vez queixou-se de que seu verdadeiro nome era visto com desconfiança pelo leitor brasileiro.