terça-feira, 28 de junho de 2011

2594) Fowles e a descrição (28.6.2011)




(John Fowles)

O escritor John Fowles (autor de O Colecionador, A Mulher do Tenente Francês, etc.) queixa-se, num trecho do seu diário publicado pela revista Granta (# 86), da cansativa tarefa de revisar um romance de mais de mil páginas (Daniel Martin, publicado em 1977). 

Diz ele:  

“Uma tarefa aparentemente interminável, com um manuscrito deste tamanho. Cuidando das repetições: desta vez os criminosos são as palavras “little”, “faintly” e “silent”. É difícil escrever sobre os ingleses sem usá-las. Posso perceber por que motivo recorro tanto a esses adjetivos e advérbios com idéia de diminuição: há uma escassez de verbos e de adjetivos para descrever o micro-comportamento, e isso aumenta o peso dos poucos que existem. 

"Eu uso em demasia termos como “grimace” e “pull a face”; na verdade, há dezenas de variantes destas expressões, mas apenas duas ou três palavras ou frases para indicá-las. O pior é tudo quanto tem a ver com ironia ou secura – metade de qualquer conversação entre ingleses educados as empregam através de expressões faciais ou de atitudes, ou seja, de forma não-verbal, o que significa que não se pode (ou pelo menos não se pode sempre) transmitir a ironia através do diálogo”.

Isto revela um problema de escritor que se torna, por tabela, um problema de tradutor. As caretas servem como comentário ao que estamos dizendo, ou como reação ao que ouvimos do interlocutor. 

Muitas dessas expressões são codificadas, têm um significado obrigatório (p. ex., franzir a testa para indicar estranheza, entortar o canto da boca para indicar desagrado), mas isto se dá dentro de cada cultura. Em outro país pode não significar nada, ou significar algo diferente. 

Não entendo italiano, e fico imaginando se na língua italiana existem palavras específicas para indicar cada um daqueles milhares de gestos tipicamente italianos, que sublinham a conversa. Quando um italiano quer dar ênfase ao que diz, une as pontas de todos os dedos e balança a mão diante do rosto; há um nome para isto? Como se descreve isto num romance? E assim por diante.

O inglês é, como sugere Fowles, o contrário do italiano. Ele comenta não-comentando, ou seja, exagerando uma expressão pretensamente impassível, enquanto diz as maiores enormidades. 

Vem daí o famoso humor por “understatement”, que consiste em minimizar (gestual e verbalmente) coisas seríssimas ou problemáticas. Deduz-se o sentido pelo contexto, não pela frase. 

Um autor inglês escrevendo para leitores ingleses pode contar com uma certa dose de entendimento implícito, mas um tradutor nem sempre percebe quando o que se diz é justamente o contrário do que se fala. 

Como um tradutor estrangeiro, que pode interpretar errado um brasileiro dizer “Muito bonito, hem?!” em tom de censura, e pensar que se trata de um elogio. 

Grande parte dos erros de tradução não se dá propriamente em torno do vocabulário, mas em torno desses sentidos implícitos que por uma razão ou outra o tradutor não capta.