sábado, 21 de novembro de 2015

3978) Como comprovar o mundo (22.11.2015)




(ilustração: Wendy MacNaughton)

O filósofo Markus Gabriel (autor de Why The World Does Not Exist, http://tinyurl.com/nk9yge6) reconhece a dificuldade em provar conceitualmente que o mundo existe, embora isso nos pareça óbvio.  Se bem que nem tanto. Qualquer passagem por um estado alterado de consciência, pela aplicação de drogas ou por algum surto psicótico, mostra que mesmo a solidez material do mundo se evapora com facilidade. 

O filósofo reconhece que nossa mente nunca poderá abarcar 100% do mundo real, mas sugere que ela trabalha com “campos de sentido” que são “domínios finitos de conexões significativas” e que a superposição desses campos, em nossa mente, produz uma impressão de espessamento da realidade. Nunca teremos uma certeza de 100%, mas a maioria de nós maneja uma percentagem que dá para tocar o barco.

É algo parecido com certas funções matemáticas que, quanto mais avançam rumo a um limite, mais lentamente passam a avançar, de modo que esse limite provavelmente jamais será atingido. Mas mesmos os micro-avanços ou nano-avanços dessa fase final já são alguma coisa, e na verdade não precisamos de uma certeza absoluta para viver. Só quem precisa disso são os filósofos; é requisito da profissão. 

Às vezes questionamos nossa certeza sobre o Mundo Real invocando aqueles sonhos que nos dão uma impressão intensa de realidade. No meio do sonho, temos a mais completa certeza de que aquilo está acontecendo mesmo. É uma certeza mental tão grande que produz resultados físicos sem estimulação física, como pode atestar qualquer pessoa que tenha experimentado um orgasmo durante um sonho erótico.

Acontece que nossa certeza no sonho é um “campo de sentido” limitado, que exclui o mundo material à nossa volta. Dormindo, acessamos a biblioteca-de-babel do nosso Inconsciente, mas o que ganhamos em intensidade perdemos em amplitude. 

Acordados, a proporção se inverte. Passamos a atuar num conjunto muito amplo de “campos de sentido”, o qual inclui nosso corpo, os cinco sentidos, nossa casa, outras pessoas, coisas, o universo material. E temos todo o direito de afirmar, como afirmo agora, que essa realidade é mais próxima de alguma “realidade última do mundo” do que o universo solipsista da minha mente adormecida. (Literariamente, acho o mundo do sonho mais verdadeiro, mas esta é outra questão.)

Dizer que duas coisas (eu e o mundo, p. ex.) existem significa, para mim, que as duas estão num mesmo plano de interação, onde algum tipo de influência mútua é possível. 

Como dizia Ariano Suassuna, se você e uma onça faminta estiverem num mesmo plano de interação, não fique pensando que o filósofo Kant não o autoriza a atestar que a onça é verdadeira: corra!