sexta-feira, 7 de março de 2008

0052) O país dos bondosos (22.5.2003)



Ser declarado invisível talvez seja preferível a ser eletrocutado, ou a ser trancado numa cela, mas qualquer pessoa que já tenha “levado um gelo” sabe que não é boa coisa. 

 Como punição social, o gelo já foi utilizado até na ficção científica. Damon Knight publicou em 1955 o conto “The Country of the Kind” , a história de uma sociedade utópica do futuro, onde as máquinas proporcionam paz e abundância. Nesta sociedade perfeita, um adolescente comete um crime, após séculos de paz obrigatória. O dilema: o que fazer? Matá-lo, prendê-lo, seria politicamente incorreto.

A solução achada é típica das utopias, lugares onde tudo é tão perfeito que está a um passo do pesadelo. Decide-se que o criminoso será declarado invisível. Ninguém pode falar com ele, tocá-lo, relacionar-se com ele de qualquer forma. Uma modificação genética o faz emitir um cheiro insuportável, que ele próprio não sente, mas que o identifica de forma cabal, por mais que se disfarce. E, caso ele esboce qualquer ato de violência contra uma pessoa, um implante no seu cérebro provoca uma crise epiléptica artificial, que o faz perder os sentidos.

Esse indivíduo, que narra a história na primeira pessoa, caminha pelas ruas como um fantasma, praticando atos de vandalismo que são rapidamente consertados sem que ninguém se queixe.  

Ele entra nas lojas, leva o que bem entende; todos fingem que não viram. Persegue pessoas, insulta-as, ameaça; elas se fazem de surdas. Quando tenta agarrá-las, ou agredi-las, bzzzzz! – o alarme epiléptico dispara, e o põe a nocaute. Em alguns momentos, ele se sente insuportavelmente só; em outros, pensa: “eu sou o rei deste mundo.”

Nessa sociedade milionária e bondosa, o homem invisível descobre um dia uma coisa chamada Arte, uma forma de expressão que existira no passado. Ele fica com a impressão de que tempos de paz só produziam imitações e obras derivativas, mas os períodos violentos produziam grandes artistas: Praxíteles, da Vinci, Rembrandt, Renoir, Picasso... 

Ele invade lojas, rouba materiais; torna-se escultor. Passa a viajar, colocando suas estátuas em lugares públicos, mas ninguém dá atenção a elas a partir do instante em que percebem que são produzidas por ele, pelo Bandido, pelo único ser imperfeito num mundo onde todos são impecáveis.

A história termina com ele vagado pelo mundo, tentando fazer com que as pessoas leiam um cartaz onde escreveu: 

“Você pode ser dono do mundo comigo. Pegue uma coisa pontuda, e apunhale alguém. Pegue uma coisa pesada, e esmague alguém. Basta isto. E você vai ser livre. Qualquer um pode ser livre.”

Isto é uma história de ficção científica? Não tem espaçonaves nem ETs. Mas fala do que, ironicamente, talvez seja o melhor dos futuros que nos aguardam. Talvez não tenhamos a sorte de chegar a isso, mas alguma coisa desse mundo já existe, na paisagem que vejo pela janela enquanto batuco aqui minhas teclinhas.





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