segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

3733) Amor humor (10.2.2015)



(ilustração: Lisa Congdon)


Oswald de Andrade foi um dos praticantes mais espirituosos do poema curto tipo poema-piada.  

Um dos seus mais conhecidos e mais citados intitula-se “AMOR”, e tem uma palavra apenas: “humor”.  

AMOR

humor

Um jogo-de-palavras até simplório para o homem que disse “Tupi or not Tupi, that is the question” e outros biscoitos finos. Oswald tem outros belos poemas de amor.  Era um sujeito meio vulcânico, tinha qualidades únicas, tinha os defeitos de sua época e os de seu temperamento, mas sua atitude amorosa ao escrever é às vezes exuberante.

Muita gente lê esse poema assim: O amor é humor.  O amor tem que ser divertido.  Amor era para ser uma coisa bonita e leve, uma coisa que passa.  Amor não é para carraspanas, melodramas, aquelas tragédias gregas de paixões e de vinganças.   O amor teria que ser uma coisa art-noveau e Modernista ao mesmo tempo. 

Outros leem assim: para manter um amor é preciso ter muito bom humor.  Senão, você endoidece. O humor surge aí não como a essência do amor, mas como uma espécie de contrapeso ou atenuante.  O modo como Oswald os colocou no poema não implica equação.  Pode ter lido, por exemplo, como uma polarização, como se o título fosse “YIN” e o poema tivesse apenas a palavra “yang”. 

YIN

yang

De fato, o amor é muitas vezes descrito pelos seus bardos como a fusão ideal entre duas pessoas, que se tornam capazes de ver com os olhos um do outro, sabem o que o outro está pensando, etc.  

E o humor, claro, é o contrário: é saber se cortar e se isolar instantaneamente de algo ou de alguém, em função de outra associação de idéias que só é possível fazer “de fora”.  A expressão popular “eu perco um amigo mas não perco uma piada” existe porque devem ser muitos os episódios em que alguém manda um gracejo pesado demais para que a amizade se mantenha.  

O amor aproxima, o humor distancia, então o humor é o contrapeso brechtiano, cortando o barato da paixão, que só enxerga a si mesma. Cuidado com um e cuidado com o outro.

Uma das declarações mais bonitas de Riobaldo no Grande Sertão é um trecho em que ele diz que, pro “doutor” ter uma idéia do quanto ele amava Diadorim, ele diz que nunca mangou dele.  O termo não é este, mas é o sentido.  

Quando você manga, zomba de alguém, quando você acha o outro ridículo, é o máximo do distanciamento, é o humor cruel que não tem volta.  O outro nunca mais poderá ser amado, se o mico que pagar for muito grande.  (Ou nem é assim, e sou eu que estou dramatizando a coisa; até isso sara.)  

Não mangar da pessoa amada é um compromisso de honra dos que amam com pureza.  É um pouco como não mangar de Deus, não fazer humor com Deus (pelo menos com o Deus que a gente crê).