sábado, 9 de junho de 2012

2892) Santuário (9.6.2012)


Matei três deles em combate leal, mas minha arma se partiu e o último conseguiu me derrubar, já exausto.  Quando voltei a mim estava com os braços amarrados às costas, enquanto ele me  puxava por uma corda, encosta acima, até a cratera. “Não quis ofender ninguém”, falei, mais uma vez, achando que não entendiam meu modo de pronunciar sua língua. “Não sabia que era um Santuário”.  Ele parou, recolheu a corda com rapidez, fazendo-me cambalear na sua direção, e me esbofeteou várias vezes. Era um homem enorme, e apesar de idoso devia ser muito mais forte do que eu. 

Continuamos subindo. Eu sabia onde estava. Tinha a idade em que a curiosidade satisfeita produz um intenso prazer, como se o simples fato de ter previsto uma coisa e ela de fato acontecer me transformasse numa espécie de Deus.  “Ouvi dizer que são eternos, que nunca morrem”, falei. “Não”, disse ele, e continuou, num tom de quem aceita algo sem compreendê-lo: “São como nós, só que seu arco de existência é muito mais amplo. Sua infância é longa, e sua velhice também. Assim como durante alguns anos nós precisamos ser protegidos de tudo, eles precisam de proteção durante alguns séculos, até se tornarem o que são.” 

Uma criatura com infância interminável, exposta, sujeita a ataques.  Isso não tornaria inteligente qualquer espécie?  Não é de admirar que quando ficam prontos nos pareçam onipotentes, avassaladores.  Uma criatura capaz de avaliar situações corretamente, prevenir-se, proteger-se.  Mas quando infantes não podem se proteger dos que além de inteligentes são curiosos, e além de curiosos são cruéis.  Eu não estava ali para constatar sua existência, que já era sabida.  Estava ali para matar um deles e levá-lo comigo, para provar que eram mortais como nós, que podiam ser observados, compreendidos, combatidos, derrotados.  Para mostrar que nenhum inimigo é um Deus.

O homem finalmente se deteve.  Sentou numa pedra à beira de um barranco e me puxou. Parei ao seu lado. A pedra da montanha se lascava bruscamente e descia, centenas de passos, numa face lisa e abrupta. Olhei para a cratera e vi aquela massa pulsante. A cavidade era feita de um calcário amarelado, e as formas pegajosas se aglomeravam em alguns pontos dela, como caroços numa romã. Arrastavam-se tateando, fugindo ao sol que reluzia em suas mucosas expostas, aninhavam-se uns aos outros para se proteger, cegos sob aquela luz.  Não eram dragões. Eram as criaturas vistas pelos primeiros que usaram essa palavra. Meu captor arrastou-me até um trecho, creio que a sudoeste. Abaixo, um manancial que escorria da rocha produzia um lodo espesso onde umas cem criaturas flutuavam. Ali ele me atirou.