sábado, 18 de abril de 2015

3792) Os Super-Heróis (19.4.2015)




Um super-herói, como os dos quadrinhos e do cinema, é como um ser humano comum refletindo-se nos espelhos deformados dos parques de diversões. O herói pertence a um mundo elástico onde certos detalhes podem ser hipertrofiados enquanto o restante tenta permanecer o mais normal possível. 

Todos os Super-Heróis têm uma ferida dolorosa em sua origem: um ficou cego, outro foi picado por uma aranha, outro perdeu os pais, outro perdeu os pais e o planeta. 

Os Vilões também não são vilões de nascença, cada um deles traz também uma ferida como momento de origem: um disparo, um acidente, um banho de ácido, a perda de uma pessoa amada, a perda de uma parte do corpo, uma traição sofrida... tudo isto também é o estofo de que os Vilões são feitos.

Os X-Men são mutantes sobre os quais caiu como um raio um superpoder aleatório, sem muita explicação. Por serem diferentes são cercados, por terem um poder são capazes de revidar. 

Alguns mutantes desenvolvem o superpoder mas não a capacidade de administrá-lo, o que os leva a praticar violências, crimes, ou então servirem como atrações ou fenômenos circenses.  Indivíduos realmente capazes de ler pensamentos passam a vida inteira enfrentando platéias broncas, acertando a leitura, e sendo vaiados como truque. 

Outros são mais espertos: Os Filhos do Átomo (1953) de Wilmar H. Shiras (há uma tradução brasileira, de 1969) mostra crianças dotadas de superinteligência que conseguem disfarçar essa condição e passar despercebidas, como crianças comuns.

Às vezes, a ferida do herói, o espinho encravado do seu desajuste, é apenas o reverso-da-moeda do dom espantoso que ele recebeu. Bênção e maldição descem juntas sobre a vida dele. O superdotado Grenouille, de O Perfume (1985) de Patrick Susskind é ao mesmo tempo um indivíduo sem cheiro, sem odor de espécie alguma, e o indivíduo de olfato mais apurado no mundo. É o homem que “vê” tudo menos a si mesmo. 

Grenouille é quase um sociopata, mas torna-se quase um cientista, guiado pelo superolfato que o mantém sob encantamento constante. Sua monstruosidade torna-se grandeza, sem deixar de ser monstruosa.

Hércules só realizou os seus famosos Doze Trabalhos porque eles lhe foram impostos como pena por ter assassinado a mulher e os seis filhos. William Burroughs (Almoço Nu) afirmou que até matar a própria esposa num acidente irresponsável ele era apenas um drogado igual a qualquer outro, mas aquela morte o tornou escritor. Despertou, pela dor da ferida, seus superpoderes, e lhe mostrou um caminho diferente. 

O Super-Herói não é apenas um poderoso, é alguém que desenvolve um poder extremo para compensar uma fraqueza extrema.