quarta-feira, 28 de julho de 2010

2305) O juramento dos mafiosos (28.7.2010)



Meu pai tinha uns amigos que frequentavam nossa casa quando eu era pequeno. De quando em quando parava um carro em frente da nossa casa e desciam uns homens de terno, que já estavam sendo esperados com bebida e salgadinhos ou um jantar, dentro das limitações modestas de uma casa de classe média. Conversavam cheios de bom-humor sobre o tempo, o trânsito, o bairro; falavam de futebol e às vezes de política. Encerrada a parte social, meu pai nos mandava ir para a parte dos fundos da casa e ficava com eles durante mais uma hora, conversando em voz baixa. Depois, iam todos embora. Meu pai me dizia: “Agradeça a eles tudo que você tem, e tudo que você terá um dia”. Quando meu pai morreu, ele pagaram todas as despesas, e um dia me chamaram para uma reunião. O que aconteceu nessa reunião? Não posso dizer, porque antes dela houve um longo ritual em que tive de fazer uma série de promessas irrevogáveis, juras inquebráveis, ao preço da minha vida e da minha alma.

O parágrafo apócrifo acima pode ser o trecho inicial das memórias de qualquer mafioso. Ser membro da Máfia é algo que passa de pai para filho ao longo de gerações. E em toda máfia existe um contrato de adesão que varia muito de país para país, de grupo para grupo, mas que em síntese diz: “Você só deve lealdade a nós, não deve lealdade ao governo, nem à igreja, nem aos partidos, nem ao exército, nem ao povo, nem a sua família, nem a Deus, nem mesmo a você. Você só deve lealdade a nós”. O cara é livre para dizer que não topa, que não está interessado. Em geral eles dizem: “Então está bem, pode ir embora. Mas, já que você não está conosco, está contra nós. Já que não é nosso escravo, é porque é escravo dos nossos inimigos, e de agora em diante é nosso inimigo também”. Pense numa escolha difícil!

Esses juramentos de fidelidade são exigidos na Máfia, Camorra, Yakuza, máfia chinesa, máfia coreana, etc. A questão é: o sujeito pode se arrepender de ter feito essa jura de silêncio, esse pacto indissolúvel de fidelidade (“omertà”, em italiano)?. Sabemos que esses pactos existem porque alguns indivíduos quebraram o voto e contaram tudo à imprensa ou a polícia. Alguns pagaram com a vida. E já vi relatos em que eles dizem: “Eu não sabia que era um grupo criminoso. Eram os patrões do meu pai. Eu tinha 18 anos. Por que não iria jurar? Só soube depois.”

Isto é interessante porque sempre me lembra o conflito ético de Daniel Ellsberg, o funcionário do Pentágono que surrupiou mil páginas de documentos secretos sobre o Vietnam e os entregou à imprensa anti-Nixon, provocando uma das grandes crises políticas dos EUA. Os liberais norte-americanos o consideram um herói. Eu também. Mas a verdade é que foi um heroísmo a um preço caro: romper o voto de lealdade para com seus empregadores e seus colegas. Se ele era de fato um sujeito ético, isso deve lhe ter sido tão custoso quanto compactuar com a política sórdida do Pentágono. Pense numa decisão difícil.