sexta-feira, 6 de abril de 2012

2837) Por que Deus (6,4,2012)



(Zeus e Tétis no Monte Olimpo, por Ingres, 1811)

“Os pobres precisam de Deus” (disse-me Zezim Lourenço, dono de uma birosca na favela do Gaiamum), “porque ser pobre é viver em carne viva e com nervo exposto. Deus é um lubrificante espiritual para reduzir as esfoladuras do Ser. Precisamos de Deus como da aspirina, da vaselina, do tylenol. Num mundo onde ninguém nos responde, nada melhor que alguém de quem não esperamos respostas, apenas um ocasional milagre. Mais que isto: num mundo manipulado por potestades invisíveis que do dia para a noite fazem desabar catástrofes inesperadas sobre nossas cabeças, nada melhor do que crer numa criatura benigna capaz do mesmo, mas ao nosso favor. Deus é o raio que a harmonia do Universo fará cair do céu na cabeça do mau vizinho”.

“A classe média precisa de Deus” (disse-me Léa Rubião, dona de uma confecção de roupa infantil na Praça da Redentora), “por necessitar de força de arranque, de empuxo, de impulso de ascendência vertical rumo às coberturas do planeta. A classe média é a única que conta apenas consigo e depende apenas de si. Precisa de uma rede protetora por baixo dos trapézios econômicos entre os quais se joga; de um advogado que justifique seus ocasionais maus passos; de um treinador que a incentive aos berros rumo a marcas cada vez maiores; de um padrinho todo-poderoso que lhe sussurre ao ouvido: Vá, minha filha, enriqueça e deixe as teorias comigo”.

“Os ricos precisam de Deus” (disse-me Zse Zse Montanardi, viúva do ministro Junqueira), “para dar uma textura inconsútil às suas experiências sensoriais. Precisa de um diapasão cósmico harmonizando seus sonhos e seus prazeres, precisa de um Abstrato com inicial maiúscula. Não o vemos com pasmo e reverência, mas com paternalismo, e um confortável aconchego. O mundo material é nosso, e quem nos impede de com um estalo de dedos criar um mundo espiritual que também o seja? Ting-ling-ling! Tocamos uma campainha cósmica e Deus apareceu. Deus é um mordomo a quem delegamos o que não nos interessa”.

“Os intelectuais precisam de Deus” (disse-me Julio Weissenberg, entre baforadas de cachimbo, no recolhimento de sua biblioteca no condomínio Alephville) “porque precisam de desafios à sua altura. Que desafio maior do que provar o improvável, racionalizar o absurdo, dar nó em pingo dágua, algemar a cobra, extrair a raiz de menos um? Para o intelectual Deus é a soma entre a pedra filosofal, a quadratura do círculo, o moto perpétuo e a teoria do campo unificado. O simples fato de Deus não existir demonstrou a necessidade de inventá-lo para preencher sua própria ausência. Porque não seria justo passarmos milênios acumulando tanta pólvora e não termos um fogo capaz de consumi-la”.