sábado, 6 de fevereiro de 2016

4044) Oito fotografias (7.2.2016)



(foto: Andre Kertesz)


Peitoril de uma janela, em preto e branco bem granulado, sobre o qual repousa, apoiada no braço dobrado sobre o caixilho, a mão de uma menina de uns dez anos. Ao lado dela, uma pistola calibre 38, carregada, pousada sobre o peitoril. Na foto, a menina não toca ainda na arma.

Um canal cimentado, com águas verde-azuis, amuradas vermelhas, três garotos de camiseta e calção, em cores variadas, armando o pulo para saltar dentro dele, o primeiro já frecheirando de braços esticados em pleno ar, o segundo dobrando os joelhos e braços pra trás pro impulso final, o terceiro ainda se posicionando.

Uma estação de trem, acima do nível do pátio em volta. Uma escadaria de três trechos de doze degraus. E uma mulher, saias esvoaçantes, uma mala e uma sacola numa mão, uma mala maior e uma bolsa pequena na outra, bolsa grande a tiracolo em diagonal, uma mulher corpulenta e decidida, está subindo essa escada enquanto no último degrau um homem alto, magro e moreno a observa, à espera, com o pulso esquerdo soerguendo-se apenas o mínimo para indicar: “Olha a hora!”.

Um entrevistador perguntou a Pelé, já de chuteiras penduradas, qual a coisa do tempo de jogador que ele tinha mais saudade. Ele disse: “O pontapé inicial de todo jogo, quando o time da gente estava no auge. Quando a gente ir dar a saída, a gente olhava e via o medo nos olhos deles. O medo que eles tinham do Santos.” A foto mostra esse medo.

Foto noturna do lado de fora de uma “villa” a que se tem entrada por um pórtico. Do lado de cá desse pórtico, caído rente ao muro, bêbado, um homem bem vestido. Ao fundo, todas as casas da vila estão apagadas, menos uma, onde a luz está acesa e há uma mulher debruçada à janela, morta de sono.

O braço moreno de músculos longos e secos passa a peixeira com força num serrilhado que sai cortando em diagonal, jogando para o alto uma chuva de diamantes em forma de escamas de peixe.

Foto muito próxima, não dá para ver se é no meio da rua ou num clube, mas o ambiente é escuro, e a foto mostra um rapaz e uma moça se olhando, com gente fantasiada marcando o passo ao fundo. Só os dois, se olhando.

Na rua estreita de edifícios escuros e tortos explode para a rua pela janela do 5o. andar uma chuva de estilhaços de vidraças despedaçadas, e também dali emerge um pesado cofre de aço com um metro e meio de altura, e preso a ele, pela manga do casaco jeans que se enganchou quando ele ajudou a erguê-lo até o peitoril e depois empurrá-lo janela afora, um rapaz, mas a manga enganchou e lá foi ele, no instante exato em que a turista dinamarquesa fotografava tudo, pois tinha gostado de uma eira-e-beira qualquer no prédio colonial vizinho.