sexta-feira, 11 de maio de 2012

2867) Jean-Luc Godard e o Facebook (11.5.2012)



Jean-Luc Godard teve uma fase pop e uma fase política (esta ainda não terminou). Gosto muito da primeira, inclusive pelo modo, único na época, como ele misturava o político-radical ao pop-chiclete.  Depois que entrou para o Grupo Dziga Vertov, produzindo filmes underground de desconstrução ideológica do discurso, deixei de me interessar, embora respeite.  

A partir dos anos 1990 ele voltou a fazer filmes em que as duas coisas se equilibram com grande beleza, como Nossa música e outros.

Ele disse uma vez: “Por mim, o cinema consistiria apenas em pessoas diante da câmara, lendo trechos dos seus livros preferidos”. 

É mais uma frase de efeito de um grande fazedor de frases (“Por que este plano, e não outro?”, “O cinema é a verdade 24 vezes por segundo”, etc.).  

Godard percebeu (juntamente com, mas de modo mais intenso que, seus colegas cineastas da “nouvelle vague” francesa e do “free cinema” inglês) o estilhaçamento da informação na cultura de massas, e previu que isto se tornaria a norma, substituindo os discursos (verbais ou visuais) longos, contínuos e coerentes. 

Ao invés de um texto de mil palavras, dez textos de cem palavras, ou cem de dez. 

O fragmento se torna mais interessante do que o conjunto de fragmentos, a parte mais do que o todo, a canção mais do que o disco, a cena mais do que o filme. Um estilhaçamento contínuo de informações, comprimidas num espaço (uma revista, um programa de TV).  

O cinema de Godard é precursor do Twitter e do Instagram: o desafio de produzir, em grande quantidade, pequenos blocos compactos de informação instantânea e heterogênea.

Redes sociais são a cara dos filmes de Godard. O Facebook é como uma câmara ligada, com uma fila incessante de pessoas aparecendo diante dela, dizendo ou mostrando algo durante alguns segundos, e cedendo o lugar a outras. Chega um diante da câmara, mostra uma foto e vai embora. Outra mostra o clip de uma canção, e some. Brigam por causa de política, rodam um trechinho de filme, contam uma piada, mandam mensagens de amor, dizem que estão com sono, ensinam receita de bolo. 

Os postais de Tempo de Guerra, as diatribes esquerdistas de A Chinesa, as propagandas de Duas ou três coisas que eu sei dela, as cenas pulp fiction de Made in USA, os poemas em voz alta de Alphaville, o filme-dentro-do-filme de O Desprezo, os números de canto e dança em Uma mulher é uma mulher  e Bande à part...  Tudo isto, cortado-e-colado junto, produziria um facebookzinho de Paris e do mundo ocidental nos anos 1960.  

Quando Godard falou do mundo que surgia à sua volta tornou-se o profeta e o preparador-de-terreno do Facebook, que o destronou e substituiu.