sábado, 4 de dezembro de 2010

2418) As ilusões da memória (4.12.2010)




(cartum de Bennett)

O passado é tão modificável quanto o presente, pela simples razão de que o único lugar onde o passado existe é em nossa memória. 

Às vezes lembramos, com nitidez absoluta, coisas que nunca ocorreram a não ser em nossa imaginação. Mexemos nesses arquivos o tempo inteiro, e, assim como fazemos com os arquivos do computador, o mero ato da consulta nos faz corrigir um detalhe aqui, aumentar um espaço acolá, mudar uma formatação... 

Quando terminamos de acessar aquela lembrança, a mente pergunta se queremos salvar as alterações, e dizemos que sim. Invariavelmente. Lembrar um fato é modificar essa lembrança.

Num livro de Christopher Chabris e Daniel Simons se conta um episódio ocorrido com Hillary Clinton, que durante a campanha presidencial de 2008 recordou uma viagem que fez à Bósnia em 1996, na cidade de Tuzla, onde teria descido do helicóptero sob fogo de atiradores de elite, correndo abaixada para proteger-se. 

Repórteres que fizeram a mesma viagem publicaram fotos da chegada de Hillary, em que ela aparece sendo recebida diante do helicóptero, cumprimentando autoridades e beijando uma criança que leu um poema. 

A questão (levantada na campanha política) era: Hillary estaria sendo vítima de uma auto-ilusão, ou estaria mentindo deliberadamente?

Não posso responder pela ex-primeira dama, mas a verdade é que todo mundo, no momento em que está contando uma história, costuma enfeitar, corrigir, completar, arredondar, esticar, resumir. 

Não por intenção deliberada de contar mentiras, mas porque em nossa mente (ou pelo menos na mente de uma porção de pessoas) a função fabulatória muitas vezes entra de parceria com a função recordadora. Quando contamos um episódio em que estivemos envolvidos, somos levados a visualizar as cenas, reconstituir a sequência de ações, recompor fragmentos de diálogos. 

Quando alguém nos faz perguntas sobre detalhes que no momento não tínhamos observado, acabamos preenchendo essas lacunas por conta própria. Não por má fé, mas porque é mais fácil preenchê-las e continuar narrando do que interromper a narração, tentar lembrar, encontrar dificuldade, estancar a conversa... 

Lembramos que Fulano chegou em nossa casa, alguém pergunta como, e dizemos: “Chegou de táxi”. Não sabemos (e depois alguém pode provar que não foi verdade). Mas para não quebrar o ritmo da narrativa, preenchemos esse espaço vazio sem pensar muito, e vamos em frente.

Ademais, Freud (cuja estudos sobre falsas memórias são famosos) mostrou que nossa mente costuma misturar episódios diferentes num só. Lembramos de maneira vívida um fato da infância, mas noutra casa, e não na casa em que ele de fato ocorreu. Lembramos ter visto um filme na companhia de alguém; não foi, foi com outra pessoa. 

Lembramos sempre fragmentos, e às vezes somos forçados a pegar duas ou três cenas incompletas para com elas compor uma lembrança falsamente completa, mas que parece fazer sentido, tem uma aparência satisfatória.