sábado, 18 de dezembro de 2021

4775) Paraibês (18.12.2021)




(Flávio Tavares, "Engenhos do Brejo Paraibano")


O linguajar nordestino não consta apenas de palavras exclusivas, palavras que só se usam por lá. Também inclui expressões, frases-feitas, “ditados” compostos por palavras que todo mundo usa, mas numa combinação diferente. Por isso, gera mal entendidos de vez em quando, porque quem é de fora fica tentando colocar essas palavras tão familiares num contexto diferente.

 

Quer se parecer

Parece um pouco; lembra um pouco.  “Aquela moça ali na mesa do canto quer se parecer com uma prima minha”.  “Chegando lá você procura Fulano, é um cara baixinho, que quer se parecer com Getúlio Vargas”.  O “quer se...” não implica vontade por parte da pessoa: funciona apenas como atenuante, em casos onde dizer “Fulano se parece com Sicrano” seria exagerar a semelhança.

 

Fazer besouro

Acho que em todas as escolas, de todos os continentes, em todas as épocas, garotos e garotas fizeram isto. Consiste em produzir um zumbido com os pulmões e as cordas vocais, mas com a boca fechada e o olhar inocentemente posto em alguma coisa inofensiva: “Mmmmmmm...” O professor levanta o olhar, vê a turma aparentemente entretida com seus deveres e exercícios, ninguém abre a boca, mas o zumbido irritante se eleva, e parece vir de todos os lugares ao mesmo tempo. Quando a turma está fazendo besouro no auge, de vez em quando um mais atrevido eleva um barulho de avião-dando-rasante: “Mmmmm... uuuóóóóóiinnn... mmmmmm...”

 

Pagar o novo e o velho

Pagar pelos mal-feitos antigos e pelos mais recentes; pagar os pecados.  “Venha cá, seu cabra, que você agora vai me pagar o novo e o velho!”  “Eu só estou esperando chegar em casa, que esses meninos vão me pagar o novo e o velho”.  Existe a variante “pagar o grosso e o fino”:

 

Eu juro pelo meu rifle

que o Padre José Paulino

cai sempre na ratoeira

e paga o grosso e o fino;

não há de casar mais homem

nem batizar mais menino.

(Leandro Gomes de Barros, "Antonio Silvino, o rei dos cangaceiros", em "Literatura popular em verso, Antologia, Tomo II", pag. 108)

 

Cobrar xêxo

Está aí uma expressão complexa. “Cobrar xêxo” (o acento é necessário, para não deixar dúvida quanto à pronúncia) é jogar pedrinhas ou bolas de papel amassado, em alguém, não para machucar, mas para irritar. “Xêxo” significa pedrinha, “seixo”. Mas “passar um xêxo” também significa “calote, cano, o ato de se escapulir sem pagar a conta”. Talvez por causa disso quando alguém joga uma bola de papel etc noutra pessoa, diz que está “cobrando um xêxo”, ou seja, cobrando algo que o outro supostamente lhe deve.

 

Bater pino

Recuar, desistir, fugir vergonhosamente diante de uma situação difícil. “A gente combinou que ia reclamar das notas com o professor, mas quando foi na hora uns dois ou três bateram pino e foram embora”.  Também se usa para qualificar uma pessoa: “Eu não confio em combinar essas coisas com Fulano, ele é muito batedor de pino, já umas duas vezes deixou a gente na mão.”  Também se usa assim, para descrever a ação: “Vocês viram o discurso do ministro Fulano ontem na TV? Eita batida de pino da porra!”

 

Queimar o chão

Partir bruscamente.  “Ele disse que ia ficar aqui no fim-de-semana, mas quando deu no sábado de manhã ele queimou o chão e na hora do almoço estava em João Pessoa.”  Por analogia a um carro que arranca de maneira brusca, queimando os pneus no asfalto.

 

Maldar

Interpretar com malícia um fato qualquer. “Você não devia sair sozinha com seu namorado e chegar uma hora dessa, os vizinhos ficam maldando”.  Também se usa uma forma atenuada, apenas para indicar que se está atento para segundas intenções, ou para detalhes pouco esclarecidos: “Esse livro diz que é primeira edição, mas eu maldo que é uma reimpressão, porque fui comparar com a que eu tenho e vi que nele já tem alguns erros corrigidos”.

 

Pegar ar

Enraivecer-se, ficar furioso, ficar puto.  "Fulano anda muito nervoso...  Já é a segunda vez que eu digo uma brincadeira besta e ele pega ar comigo""A gente acertou uma laranja no bandeirinha... rapaz, ele pegou um ar que só tu vendo!"  "Me disseram que ela achou não sei o que na carteira do marido e pegou o maior ar com ele."   "Não pegue ar, não, rapaz!  Você sabe que eu tô só brincando!"   Origem: talvez o fato de que o sujeito irritado "incha" como um pneu sendo enchido de ar.

 

Ir por dentro chupando imbu

Ir caminhando, sem pressa e sem afobação. Usa-se muito quando se quer diminuir a importância de ir a pé; para dizer que o trajeto não vai ser tão cansativo assim. O “por dentro” sugere a tomada de algum atalho, e o imbu (ou umbu) entra na história como complemento fantasioso, como quem diz: “Fica tranquilo, eu vou por aqui, me distraindo”.