terça-feira, 9 de abril de 2013

3155) Pelo Estado laico (9.4.2013)





Quem lê meus artigos ou me conhece pessoalmente, sabe duas coisas a meu respeito: 1) Eu sou agnóstico, não acredito na existência de um Deus nem de uma alma humana imortal; 2) Eu não me importo que outras pessoas acreditem nisso, desde que essa crença as torne pessoas melhores e não prejudique os demais. Acho a religião uma coisa importante, mas para mim (para MIM, pessoal e intransferivelmente) a Ciência fornece explicações mais sensatas sobre o Universo, o mundo e o ser humano. “Ah, mas há milhões de coisas no mundo que a Ciência não explica!”. É verdade, mas, e daí? O mundo é novo, minha gente! A Ciência mal começou!

O Brasil é uma República onde todo mundo (pelo menos no papel) tem os mesmos direitos, e que não dá preferência a uma religião sobre as demais. Dar precedência jurídica a qualquer grupo religioso – essa coisa tão subjetiva, tão alicerçada na fé, tão de-foro-íntimo, tão pessoal-e-intransferível – equivaleria a dar poder legislativo a um teoria estética sobre as demais. Permitir, por exemplo, que um gênero literário (ou um ritmo musical, ou um movimento teatral, etc.) tivesse o poder de bloquear todos os apoios governamentais aos outros. Ia ser muito engraçado ver ensaios intitulados – “O Declínio do Romance Realista Urbano no Brasil: Uma Ditadura da Ficção Científica?”.

Religião é uma coisa parecida com a Arte. Não se baseia em verdades universais, mas em crenças pessoais, acreditadas e disseminadas de início por pequenos grupos, que vão se ampliando à medida que ganham adeptos, mas que, em última análise, não têm o direito de impor sua visão sobre os demais. Não há provas consensuais de que qualquer um desses deuses (Deus, Iavé, Allah, Shiva, etc.) exista, assim como não há provas consensuais de que Picasso seja um bom pintor, Glauber Rocha um bom cineasta, H. G. Wells um bom escritor ou Pinto do Monteiro um bom repentista.

Não há como avaliar isso de modo imparcial, objetivo, distanciado. Arte e religião são certezas íntimas cultivadas por pessoas, e merecem o maior respeito. Pelo respeito que merecem, precisam ser deixadas de fora da atividade legislativa e jurídica: porque todas precisam ser levadas igualmente a sério, o que significa que nenhuma delas tem o direito de se sobrepor juridicamente às demais. O Estado brasileiro tem que ser laico em matéria de religião, como garantia de que todas as religiões terão livre curso para suas atividades; e que todas as formas de arte serão igualmente livres para criar.

Principalmente nesta época (“Oh, tempos! Oh, costumes!”) em que é muito mais fácil ficar rico inventando uma igreja do que criando obras de arte. Vamos lutar pelo Estado laico, sempre.