Em Nova York já havia, e muito forte, no pós-guerra, um
movimento de jovens cantores e compositores resgatando a canção popular
norte-americana, fugindo aos lugares comuns da música fonográfica da época, às
músicas de sucesso das big bands e
dos crooners, bem como das cançonetas
pop que tocavam no rádio. A “Antologia” trouxe uma material colhido na fonte e
ajudou a municiar esses aristas, que por um lado se engajavam nos protestos
pelos Direitos Civis, e por outro reproduziam à sua maneira, no Village, o
estilo de vida dos boêmios existencialistas franceses em Saint Germain des Près
ou Montmartre.
Dylan chegou nesse ambiente já com algumas canções
prontas, entre elas a “Canção para Woody”, uma homenagem aos artistas obscuros
da América profunda, agora tornados os novos ídolos dos jovens cantores novaiorquinos:
Esta canção é para você, para Sonny, para Leadbelly,e todo o pessoal que viajou ao seu lado.Um brinde aos corações e às mãos desses homensque chegam com a poeira e vão embora com o vento.
O filme de James Mangold passa a acompanhar o jovem Dylan
na trajetória que ele cumpriu dali até 1965: três discos de canções folk em que (como disse um crítico na
época) ouvia-se um rapaz de pouco mais de 20 anos cantando com a voz roufenha e
os versos apocalípticos de um velho de 60. Depois, um álbum mais intimista, Another Side of Bob Dylan (1964), com 11
faixas gravadas todas no dia 9 de junho de 1964: voz, violão e gaita.
Começa nesse período a transição que enfureceu os
puristas da época, quando Dylan, recém-coroado como o novo Príncipe da Música
Folk ou coisa parecida, exaltado pelos jovens militantes de esquerda, autor de
canções já clássicas como “Blowin’ in the Wind”, “The Times They Are a-Changing”
e “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, fez-se acompanhar de uma banda de rock, aderiu
à guitarra elétrica, e mergulhou de cabeça numa produção espantosa de letras satíricas,
surreais, sem nenhuma mensagem social explícita. E isto provocou um verdadeiro
terremoto na música folk que o
acolhera quando ele chegou lá como “um completo desconhecido”.
Este é um resumo do filme, que sofre com a
superficialidade e a compressão de toda cine-biografia (e até de biografias em
livros de 700 páginas) quando é preciso descrever e reproduzir um complexo
ambiente cultural e as discussões que fervilham dentro dele – e fazer isso em
poucos minutos, sem muita teorização ou discursos explicativos, e tendo em
mente que a grande maioria do público conhece aqueles fatos por alto (quando muito)
e está mais interessada no toma-lá-dá-cá das relações humanas (“com qual das
duas namoradas ele vai ficar”, “a qual dos amigos ele vai ceder?”) do que nos
retratos de época.
De minha parte, gostei bastante das cenas do Festival de
Newport (onde Dylan, em anos sucessivos, tinha se tornado a grande surpresa e a
grande atração), inclusive a explosiva apresentação final, quando ele foi
vaiado ao se apresentar com guitarras elétricas.
Tudo um resumo apressado, é claro. Para reproduzir a
complexidade de conflitos emotivos, políticos, sentimentais, mercadológicos e
simbólicos envolvidos num Festival como aquele, era preciso que o filme inteiro
fosse dedicado a ele.
Bob! Alguém me disse que você também acha que eu não gostei do fato de você usar guitarra elétrica em 1965. Já desmenti isto muitas vezes. Eu estava furioso era com o som distorcido – ninguém conseguia escutar os versos de “Maggie’s Farm” – e corri para a mesa de som que controlava o PA. Eles disseram: “Está do jeito que eles pediram”. Eu gritei: “Pois se eu tivesse um machado, eu cortava esse cabo!”, e acho que foi essa frase que ficaram citando. Meu maior erro foi não ter subido ao palco para confrontar os que vaiavam você. Eu devia ter dito: “Howlin’ Wolf usa guitarra elétrica, por que Bob não pode usar?” Em todo caso, vida que segue. Abração. Pete.
(trad. BT)