sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

3410) A Lolita de Dorothy (31.1.2014)




Falei há pouco tempo aqui (http://bit.ly/1bzHeCW) sobre um suposto plágio que Dorothy Parker teria cometido sobre a Lolita de Nabokov. Diz-se que ela teve acesso ao manuscrito, antes do livro ser publicado, e publicou na revista The New Yorker seu conto “Lolita”, onde ela fala de uma mãe viúva, uma filha desajeitada e um bom partido que se oferece como possível maridão.  

Li o conto; mais do que um plágio (como plagiar em dez páginas um romance de trezentas?) é um desses furtos casuais que os escritores fazem tantas vezes. “Gostei desta situação, esqueçam o resto, vou usar somente isto.”

O conto (aqui, no Scribd: http://bit.ly/1elNtLc) é sobre uma mulher prestes a perder o prazo de validade e sua filha canhestra e antissocial. Aparece na cidade um tal John Marble, desassossegando os corações. A cidade inteira cai aos seus pés. John Marble escolhe quem? A desajeitada, angulosa e tímida Lolita, para desespero das rivais e mortificação ainda maior de sua mãe, que também estava no páreo.  

Diferentemente de Nabokov (que fala de homens o tempo inteiro), Dorothy fala somente das mulheres, numa história onde o homem é mero adereço, mero “prop” de estúdio, um dummy, um dildo, um dublê, uma função proppiana.  O contrário da história de Nabokov, que é uma explosão de testosterona míope, uma história trágica da derrota recíproca de dois machos em luta, enquanto a ninfeta é mero catalisador, desencadeia as catástrofes e as atravessa incólume sem nem se dar conta delas.

Charlotte Haze, a mãe da Lolita nabokoviana, se lesse aquele livro (se fosse capaz de ler aquele livro) nem saberia que era um daqueles personagens. Quando muito ficaria surpresa com a coincidência de nomes próprios e de alguns fatos externos.  Mrs. Ewing, a mãe-viúva da Lolita de Dorothy, vê a filha sem graça ser pedida pelo homem-sensação e consegue, como tantas heroínas femininas, destilar sua revolta com o destino, ser mãe-modelo, casá-la com John Marbles e ficar olhando as nuvens.

A única imprudência de Dorothy Parker foi dar à sua garota o mesmo nome da garota que vira no original datilografado de Nabokov.  Custava nada ter chamado a menina de Peggy Sue?  Seria menos literária por isso?  O caso todo é típico dos pedidos de empréstimo que autores fazem a idéias alheias, tipos alheios, estilos alheios, temas alheios, situações alheias.  Todo mundo faz isso.  O desafio é mostrar que o elemento pedido emprestado rendeu muito melhor no nosso texto do que no alheio. Ou pelo menos não ficou a lhe dever.  Talvez ela tenha deixado o nome “Lolita” como derradeira pista do que aconteceu, porque sem esse nome talvez nenhum de nós percebesse.