sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

4013) Livros do ano 3 (2.1.2016)



Uma das histórias mais antigas é a do jovem intelectual de província, cheios de sonhos literários (ou musicais, cinematográficos, etc.) que parte para a cidade grande e mergulha na vida boêmia, nas discussões estéticas e existenciais, e passa por experiências que, a depender de cada caso, o levarão à fama, ou às drogas, ou à fortuna, ou ao suicídio. Às vezes tudo isto junto.

Que melhor exemplo do que o Dylan Thomas de Portrait of the Artist as a Young Dog (1940, http://tinyurl.com/oqml4hj), que começa garoto, fotografando em contos curtos a vidinha interiorana do País de Gales, e no final já está jornalista e poeta, frequentando puteiros, e se preparando para seus voos internacionais futuros? Existe nele algo do Vivaldo de Numa terra estranha (1962, http://tinyurl.com/nrtkpar) em sua vida boêmia e meio sem rumo, e do (ator) Eric que foge para a França à procura de um ambiente menos asfixiante.

Paris foi um símbolo para uma geração inteira de norte-americanos, como James Campbell descreve em Paris Interzone (1994, http://tinyurl.com/o6ux4mb). O maior contingente era de escritores negros (como Baldwin), mais respeitados e mais bem tratados na Europa do que em casa. Paris recebia com civilidade tanto negros como homossexuais, e Baldwin sentiu-se duplamente em casa. E existia lá, ao mesmo tempo, um ambiente receptivo para uma certa literatura de vanguarda como a dos Textos para nada (1950-52, http://tinyurl.com/pbd2to9) de Samuel Beckett. O livro de Campbell dedica longos e proveitosos capítulos a editoras semiclandestinas como a Olympia Press, de Maurice Girodias, que publicava romances pornográficos e no meio deles lançou, além de Beckett, a primeira edição de Lolita de Nabokov.

Era uma França pós-Guerra, invadida e conquistada pela cultura pop norte-americana, o jazz, o romance policial, a ficção científica. Tudo isso convergiu para a obra de sujeitos fascinantes como Boris Vian, que ganhou de Françoise Renaudot a fotobiografia Il était une fois Boris Vian (1973, lido em julho). Vian escreveu romances policiais fingindo-se de autor negro dos EUA (Vou cuspir no seu túmulo, sob o nome de Vernon Sullivan), escreveu FC, foi membro do Collège de Pataphysique, foi trumpetista de jazz, grande compositor de cançonetas românticas ou satíricas. Sua vida e sua obra sintetizam essa época que, mais do que qualquer outra, gravou na memória do tempo a imagem de uma Paris libertária, igualitária, fraterna – mas somente nos cafés e nos bares onde cineastas, existencialistas, negros americanos, romancistas argelinos e músicos de jazz criaram uma república invisível das letras e das artes. (Continua)