sexta-feira, 7 de março de 2008
0023) Os piratas e os corsários (18.4.2003)
(by Henk van Rensbergen)
Em sua coluna de hoje no “Diário de Pernambuco” (“Baque Solto”, sai todas as sextas-feiras, não percam) Lula Queiroga lamenta o fato de que uma atividade tão interessante quanto o pirateamento de CDs tenha sido açambarcada por gangsters milionários de Taiwan ou Hong Kong. Pegar uma matriz, copiá-la num estúdio de fundo-de-quintal e vender o produto por um terço do preço de loja é atividade para guerrilheiros culturais: galera do boné virado, piercing no nariz e tatuagem no ombro da vacina. É um recurso para a rapaziada fazer circular o CD raro daquela banda etno-jazz da Hungria ou daquele duo de italianas que vocalizam samplers de transmissões da Nasa. Não é coisa pra gangster.
Infelizmente, o dinheiro no mundo anda tão faminto que até essas táticas de guerrilha são monopolizadas pelos capitalistas do Caixa-2. Os sujeitos não pirateiam apenas discos: eles piratearam a própria pirataria. Porque o ato de piratear produtos industrializados é, como a guerra de guerrilhas, um recurso da Lei do Mais Fraco. Quem não pode bater de frente fuzila por trás. Disco pirata é para circular por baixo do pano, como nos anos 70 circulavam aqueles Manuais de Guerrilha Urbana do tamanho de um maço de cigarros. É uma atividade “cult”, conceitual, altruísta. Seu intuito não é acumular dinheiro, é distribuir informação. “Information wants to be free”, era o lema dos escritores cyberpunk que deram uma sacudida na literatura dos EUA nos anos 1980.
Lucro é sangue. Onde quer que haja lucro começam a aparecer os gangsters, como piranhas assanhadas, farejando. Uma gravadora faz um milhão de CDs de Britney Spears, e no dia do lançamento o mercado já está saturado por CDs clonados, com capa vagabunda, som mixuruca, mas, por 5 reais (e Britney Spears), quem liga? Quem percebe?
Ao contrário do meu mestre Queiroga, eu não fico com remorsos quando compro CD pirata. Gravadoras multinacionais e mafiosos intercontinentais brigam, cada um, com as armas de que dispõem. Nesse Fla-Flu eu sou botafoguense. Como compositor que recebe direitos autorais, eu torço para que as gravadoras vendam bem. Como consumidor que vê um disco dos Travelling Wilburys por 32 reais, confere a carteira e segue em frente, só me resta sonhar em ver o mesmo disco na calçada da Rua do Catete, por “cinquinho”.
A indústria fonográfica desperdiça mais dinheiro do que a administração doméstica de Saddam Hussein. É uma babilônia de coquetéis, videoclips, lançamentos, passagens aéreas, boca-livre, hotel cinco estrelas, jabá para radialistas, uísque e canapés para a imprensa, kits de divulgação que parecem propostas de arte de vanguarda. Tudo isso para quê? Para alimentar uma máquina de mil bocas comendo e uma boca cantando, a do sujeito que aparece na capa do disco. A indústria pirata economiza isso tudo, vampiriza operários chineses, e não paga imposto nem direitos autorais. Não se enganem. Capitalista que rouba capitalista tem cem anos de carência.
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